Uma praxe gigantesca

mario_abrantesO défice ficou abaixo do previsto em 2013 mas o produto interno bruto continuou a descer, isto é, a riqueza produzida continuou a descer e a dívida pública a aumentar (já vai em 130% do PIB). Milagre económico? A retoma está de volta? Não! Simplesmente mais mentiras e campanha para as eleições europeias de 2014. Não! Simplesmente uma grande colheita fiscal em 2013 sobre quem trabalha (só de IRS foram 3,2 mil milhões de euros, cerca de 35% do crescimento da receita) e a contribuição extraordinária sobre quem descontou do seu trabalho e agora vive da sua pensão.

Se o PIB continuar a descer ou mesmo se apenas estagnar em 2014, o que pode acontecer se se tiver em conta o efeito recessivo dos cortes salariais na função pública e o acréscimo aos cortes nas pensões, então como garantir a não ultrapassagem do défice previsto para 2014? Com outro milagre? Mas sobre quê? Mais subidas de impostos? Mais complementos em cima dos complementos extraordinários sobre as pensões? Mais cortes brutais e cegos na saúde (400 km de ambulância em coma induzido a ser rejeitado pelos hospitais públicos?) e na educação (para enriquecer a mafia do ensino privado?).

Perante os anunciados sinais de recuperação, era suposto que abrandasse o caminho de sacrifícios que nos garantiram ser transitório e com a única finalidade de pôr as finanças do país em ordem, mas, pasme-se, não é isso que parecem insinuar o ministro Marques Guedes, a Ministra das Finanças e o 1º Ministro, quando afirmam todos à uma que, mesmo depois da troika, e mesmo depois de "finalmente estarmos a recuperar", a austeridade não irá abrandar. Afinal, mesmo sem troika, é para continuar a aplicar a receita da troika e garantir mais receitas extraordinárias com novas privatizações feitas sob pressão de tesouraria (veja-se, no seguimento dos CTT, agora já se atiram ao sector das águas), porque o crescimento económico afinal continua a ser uma incógnita, e o "esforço de ajustamento" é para deixar de ser transitório e passar a contínuo. A campanha para as europeias daqueles que se afoitam em segurar votos nas (incómodas) eleições deste ano fica-se então pela mentira da retoma e pela insignificante mas magnânima salvaguarda de ponderar a hipótese da reposição em 2015 de "alguns" dos feriados eliminados em 2013...

Assim se humilha todo um povo. "Só faltam três meses para nos livrarmos da troika" diz o vice-primeiro ministro, qual imaginário "honoris dux" gritando para os caloiros: "já só têm de rastejar mais três meses sobre a lama...". Efetivamente este Governo, na relação que mantém com os portugueses simboliza muito do que as praxes têm de retrógrado, reaccionário e mesmo de aculturamento fascizante. É a ignorância a arrebanhar as vítimas, ensaiando sobre elas exercícios de humilhação, abuso e violência enquanto as embebeda e elogia o seu espírito de sacrifício.

Por mais difícil que pareça a muitos dos atingidos por estes políticos e por esta política, torna-se imperioso e urgente arredá-los a ambos do poder. Para isso é decisivo aumentar em número e em acções, incluindo o uso do voto livre e consciente, a participação daqueles que lutam para alcançar tal objectivo.

E, como alguém dizia, é preciso que deixemos de basear essa participação nas probabilidades de sucesso, para que o sucesso se torne realmente possível...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 7 de fevereiro de 2014