Têm pouca credibilidade propostas de mudança vindas de quem esteve a suportar o Governo Central e as políticas da troika que nos conduziram à situação actual, à ofensiva contra o valor e a dignidade do trabalho, e à venda de Portugal a retalho (a prosseguir agora com negócios da China). Isto é o que urge dizer sobre a denominada Aliança Portugal que nada mais é senão a capa sob a qual se esconderam os dois partidos coligados no Governo Central...
Quanto ao PS, o quadro de entendimento com o PSD (e CDS) está traçado e confirmado. Embora com o acirrar da campanha esse entendimento possa parecer surreal aos olhos do eleitorado, não se deve esquecer o que o FMI veio lembrar, ou o que a UE preparou para os próximos anos, isto é, que a crise e a austeridade são para durar e continuar em Portugal, necessitando para isso de um governo que terá de ser exercido pelo bloco da troika, isto é, de um governo apoiado pelo PSD e CDS mas também pelo PS.
Para que não restem dúvidas que só a memória curta e o fogo-de-artifício da campanha eleitoral poderão ofuscar, Passos Coelho e António José Seguro em entrevistas ao jornal "Expresso" de 10 de Maio, dois dias antes do início da campanha, reafirmaram aquilo que diversos porta-vozes dos dois partidos (incluindo os seus dois cabeças de lista ao Parlamento Europeu) vêm admitindo em público há já algum tempo, isto é, a possibilidade de entendimento entre ambos para acordos governamentais no futuro.
A jogada combinada para a formação de um futuro governo, onde entrem os três partidos que assinaram o memorando de entendimento, mais o Presidente da República, o BCE, a Comissão Europeia e o FMI, tem por base uma lógica irrecusável para os interesses dos credores da dívida e da finança internacional. É que, após terem conseguido transferir para o Estado e para a maioria do povo português as responsabilidades particulares pelas negociatas especulativas e fraudulentas da banca (francesa e alemã em particular) de que foram os artífices (como foi bem denunciado em livro recentemente lançado por um ex-conselheiro de Durão Barroso), necessitam de assegurar a continuidade da extorsão que lhes cubra o resgate por inteiro, o que para eles ainda está longe de ter sido alcançado apesar do final do prazo do "programa de ajuste".
Assim, apesar de em campanha tudo fazerem para evitar acentuadas quebras eleitorais que o futuro imediato lhes reserva (conselho de ministros com anúncio da estratégia do governo, no sábado 17, e reunião da troika em Portugal, no dia das eleições), a coligação no poder, em conjunto com o Presidente da República e a troika, necessitam de assegurar o contributo acrescentado do PS, isto é, necessitam de um governo de bloco central para garantir, no essencial, a continuidade das atuais políticas que têm comprometido drasticamente o futuro do país e dos portugueses. Estaremos assim perante um PS a pedir votos que, ao invés de serem utilizados para romper com essas políticas, servirão antes para salvar o PSD e o CDS do afundamento governativo (veja-se o exemplo de François Hollande em França).
Mas as eleições de 25 de Maio poderão e deverão significar para os portugueses uma legítima oportunidade de julgar a troika e as suas políticas, ao fim de três anos de brutais sacrifícios, perda de direitos e injustificado empobrecimento, a coberto da assinatura de um programa desumano e antipatriótico como foi aquele que agora apenas formalmente termina. A condenação eficaz dos seus executores e também dos seus co-assinantes, não se alcança simplesmente com a abstenção ou o voto nulo. Só é possível dando maior força àqueles que desde o início, justificadamente como se veio a comprovar, se demarcaram daquele pacto agressivo, apresentando propostas de um rumo diferente para o país, capaz de repor os valores do Portugal Democrático nascido com a revolução de Abril de 1974.
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 14 de maio de 2014