Uma oportunidade perdida...

mario_abrantesDepois da profunda derrota eleitoral, logo seguida de (mais) uma profunda derrota constitucional, não perderam tempo e, enquanto a economia continua a definhar (o PIB voltou a descer no primeiro trimestre de 2014), a dívida pública a aumentar (só de dezembro de 2013 para março de 2014 subiu mais 5,5 mil milhões de euros) e as empresas a encerrar, fingiram esquecer a almofada dos 900 milhões que serviria de cobertura aos percalços constitucionais, pegaram nestes como pretexto e resolveram avançar de uma assentada com a nova lei laboral da função pública (que além dos cortes retira inúmeros direitos aos trabalhadores do Estado), acertar novos cortes para os pensionistas, em contínuos saques de provisórios a definitivos, e preparar eventuais novos aumentos de impostos, utilizando a sombra de uma troika que tinha sido dada por acabada mas a cujas políticas restritivas e opressivas afinal nem tão cedo tencionam pôr ponto final.

Como alguém já disse, entre outros epítetos que me dispenso de referir, estamos perante um governo que sofre de delinquência institucional. E não poderia ser diagnosticado de outra forma o estado de um governo que, em relação ao Tribunal Constitucional (TC), quando as decisões deste órgão não são as por si desejadas, se arroga ao direito de colocar em questão a capacidade profissional de juízes dos quais os seus dois partidos de suporte escolheram 6 entre 10, incluindo o Presidente. E não poderia ser diagnosticado de outra forma o estado de um governo que põe em causa a validade democrática do escrutínio da Assembleia da República nas nomeações para o TC, quando a sua própria nomeação (conviria aqui lembrar que o governo não é eleito mas sim nomeado) se processa de forma semelhante e é feita pela mesma Assembleia. E não poderia ser diagnosticado de outra forma o estado de um governo que decide investir contra o TC do seu próprio país, em articulação flagrante com a intromissão simultânea do presidente da Comissão Europeia, falando na necessidade de nova subida de impostos em Portugal, ou a intromissão do comissário europeu Olli Rehn, dizendo que é uma chatice ter de estar constantemente a falar dos problemas que o TC coloca ao governo português, ou ainda a intromissão do capital financeiro pela boca do banqueiro Fernando Ulrich, mostrando-se chocado com o facto de 13 juízes (referindo-se ao TC) terem poderes em demasia...

Finalmente, imputando ao TC a responsabilidade de pretender impor uma "ditadura fiscal" ao país, o vice-Primeiro Ministro Portas, num esgar de aprendiz de Maquiavel, não fez mais do que pretender esconder, essa sim intolerável, a deriva autoritária do atual governo da República...

Se, com uma réstia de vergonha na sequência dos julgamentos negativos da esmagadora maioria dos portugueses e do TC, o governo PSD/CDS tivesse aproveitado a oportunidade para pedir desculpas públicas pelas asneiras que anda a fazer há mais de 3 anos e por governar contra a lei, demitindo-se de seguida, o 10 de Junho poderia ter sido uma data digna para Portugal. Mas não! Enquanto o maior partido da oposição, subscritor com o PSD e o CDS do Tratado Orçamental, vai brincando até Setembro às eleições para Primeiro-Ministro, o governo opta por continuar febrilmente alapado ao poder socorrendo-se do estratégico e também doentio apoio de um Presidente que preferiu, por omissão de competências, espraiar-se pela lengalenga de frases vazias e de circunstância atiradas aos portugueses, como aquela de se ter chegado à época do "fim do medo para dar lugar à esperança..."

Uma frase que, em minha modesta opinião, só começará efetivamente a fazer sentido e a adquirir contornos palpáveis, quando o governo e o actual ocupante do cargo de Presidente da República desaparecerem do ativo no mapa político português!

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 12 de junho de 2014