"O pior que se pode fazer é financiar empresas que não têm futuro...". Quem disse isto foi Passos Coelho, discursando na presença de Durão Barroso na passada 2ª feira para jovens portugueses, "felizmente" livres de procurar futuro num outro lado qualquer, menos em Portugal claro. Quem disse isto foi o mesmo 1º ministro que, juntamente com Sócrates, afundou o país em dívida, para financiar o BPN e o BPP e que guarda religiosamente uma grossa fatia do empréstimo canibalesco da troika para financiar outros bancos cujo futuro se apresente em risco...
Das duas uma, ou os bancos não são empresas, o que é falso, ou aquele princípio político passa a reputada mentira logo que se trate da alta finança. E assim é de facto. Certos partidos (chamados do "arco do poder") constituem-se em parte de uma camuflada simbiose corrupta e promíscua com o poder económico e financeiro. Observem-se os candidatos à substituição do grupo de Ricardo Salgado no conselho de Administração do BES, imposta pelo Banco de Portugal, após mais uma sucessão de golpadas financeiras obscuras. Entre eles está um arguido em processo ligado à compra de acções da EDP e um atual deputado do PSD (Paulo Mota Pinto, filho de um antigo 1º Ministro entre 1978 e 1979) que foi da Comissão Política da recandidatura de Cavaco e Silva e que elaborou o programa eleitoral do PSD às legislativas de 2009. Aqui temos (mais) um exemplo do perfeito entrosamento para-corruptivo e crónico do potencial de amarração promíscua entre poderes.
Depois de abandonar Marcelo Caetano, após o 25 de Abril, gente ligada aos bancos e instituições financeiras (FMI incluído) foi sendo destacada para ocupar posições chave de tomada de decisão nos governos de pendor neo-liberal representados em Portugal pela tripla PSD, PS e CDS. A família Espírito Santo fez todo esse caminho, ora colando-se a uns ora a outros em função das conveniências. Aquela a que chamam "classe política" foi-se amoldando às sucessivas situações de favores e de peso acrescentado para o Estado que a sobrevivência dos bancos e das grandes empresas por ela privatizadas impunham, sendo-lhe permitido em troca arrecadar alguma coisa para si própria. Essa "alguma coisa" são receitas mais ou menos duvidosas, fruto da corrupção e da promiscuidade entre o público e o privado, se necessário injectadas pela decisão política na legalidade vigente, e retiradas aos rendimentos de quem produz, à cobertura constitucional dos direitos sociais fundamentais dos cidadãos ou enquanto quinhão das privatizações.
É a mercantilização da política e a sua negação como serviço público. Na ideologia e na prática dos governos neo-liberais a "corrupção" deixa de ser ocasional e devidamente criminalizada para passar a constituinte natural do seu sistema circulatório. O efeito deste tipo de "corrupção" serve ainda para desacreditar, como convém, a "classe política", o parlamento e a Democracia. De fora dela ficam então, como uma espécie de aberração e desabilitados para a governação, os partidos, as forças políticas e mesmo os políticos que não comam do mesmo tacho...acusados de estarem prisioneiros de ideologias arcaicas, de ignorarem as novas realidades, enfim, avessos à modernidade.
É neste contexto que surgem então, como aconteceu recentemente com Madruga da Costa (ex-dirigente do PSD) e Martins Goulart (ex-dirigente do PS), os pseudo-reformadores do sistema, semeando a ilusão senil ou mesmo redutora da pluralidade democrática e alienatória dos reais problemas com que a sociedade se confronta, a proclamar que tudo se resolve com a redução do número de deputados do Parlamento, quando afinal o que se passa é que, por mais assentos parlamentares que eliminem, muito pouco mudará se a qualidade do conjunto restante continuar a ser maioritariamente conotada com as direções dos partidos da promiscuidade e da corrupção institucionais...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 25 de junho de 2014