O verdadeiro objetivo

mario_abrantesA par da necessidade de redução do défice orçamental, o governo da República tem invocado com persistência a necessidade de contenção da dívida pública, como pilares básicos da sua política.

Ora o que se apura em relação a estes dois objectivos estratégicos, é que apesar da redução do défice entre 2010 e 2013 ter sido sacrificada cada vez que se tratava de financiar a banca (BPN, BPP e BANIF), ela tornava-se imperiosa e inadiável quando o que estava em causa era golpear os rendimentos dos trabalhadores e dos pensionistas. Assim, segundo os cálculos do economista Eugénio Rosa, cada ponto percentual de redução do défice nesse período custou mais de 4.700 mil milhões de euros de austeridade, mas nem por isso a dívida pública deixou de aumentar pela mesma medida (por cada 1% a menos no défice) mais de 10.400 mil milhões. E esta política tem continuado por 2014 adiante, chegando-se à brutalidade de penhorar em média 760 reformas por dia devido aos cortes nelas efectuados pelo governo deixarem os reformados a braços não só com dívidas próprias mas também, enquanto fiadores, com as dos seus familiares (desempregados em muitos casos), enquanto em paralelo com tal situação desumana foi, pelo mesmo governo, injectada de uma só vez a verba de 3.900 mil milhões de euros para cobrir os encargos privados gerados pela gestão danosa do BES e do GES.

Novamente será de esperar que o provável rombo na redução do défice para 4% em 2014 provocado por esta injeção de dinheiros públicos, em socorro dos interesses de mais um grande grupo privado, seja de imediato desculpado pela supervisão da UE, mas entretanto a verba astronómica e já impagável da dívida pública, que vem subindo desde 2010 a uma média de 22.500 mil milhões de euros/ano, continua a galopar aumentando de 252.486 mil milhões de euros, em Dezembro de 2013, para mais de 262.000 mil milhões de euros (134% do PIB), no fim do 1º semestre de 2014.

Nenhum dos objectivos ditos estratégicos desta política foi assim assegurado. Mais. Se para a recuperação económica como fonte segura de redução da dívida deveria, segundo Paulo Portas, contribuir decisivamente o "porta-aviões" das exportações, o que se verifica afinal é que, em particular devido à quebra das exportações, o défice comercial voltou a entrar em campo negativo (na ordem de 500 milhões de euros em Maio de 2014). E mais ainda. Apesar dos cortes nos salários dos funcionários, as despesas do Estado continuam a crescer, dando cobertura, entre outros gastos, a um autêntico exército de novos "boys" recrutados para cargos públicos pelo governo.

Somos forçados a concluir portanto que este governo, com um salário mínimo de 500 euros em atraso já vai para 4 anos, e insistindo na continuidade dos sacrifícios, do ataque aos rendimentos do trabalho e às pensões para 2015, apesar de nada de positivo para o país ter alcançado até agora, não tem outro objetivo afinal senão o corte nos rendimentos, nas funções sociais do Estado e o empobrecimento generalizado em si mesmos, visando a defesa dos interesses dos "credores" e dos grupos económicos que dominam a economia e a sociedade, e merecendo por isso a inteira confiança daqueles 1% de portugueses que sozinhos detêm já 25% da riqueza nacional...

Ou seja, traindo de forma declarada, anti-democrática e contínua a confiança dos 99% de portugueses que restam, e merecendo destes por isso o castigo devido que a contestação, a continuidade da luta e a arma do voto sempre poderão e deverão aplicar.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 2 de setembro de 2014