Estamos, como disse Cunha Rodrigues (Ex-Procurador Geral da República), a ser administrados por quem não é o verdadeiro titular dos processos de decisão e a ser governados por quem não conhecemos. Quem nos administra em Lisboa está a ser porta-voz fiel e exclusivo do mandamento de que são os mercados que decidem os limites dos nossos direitos. Pratica bem o ofício de cortar cegamente nas despesas e de subir irracionalmente os impostos, considera fúteis os conceitos de ética ou de moral na prestação do serviço público, e pouco mais sabe fazer em matéria de política.
Aí temos, como exemplos recentes, os ministros de áreas tão vitais como a Justiça ou a Educação a falharem em toda a linha e a serem forçados a reconhecer a sua incompetência. Referimo-nos ao que se passa com os sistemas informáticos da Justiça, responsáveis pela tramitação de processos ou pelas certidões de nascimento, e ao que se passou com as regras básicas dos concursos de professores. Qualquer sistema montado para cidadãos, se submetido à pressão de decisões exclusivamente economicistas de quem, além do mais, não tem capacidade para lhes medir as consequências, falha necessariamente. E para estes "administradores", nalguns casos reincidentes, nunca se põe a questão de voluntariamente, após o reconhecimento da culpa, mudarem de rumo ou abandonarem os cargos e assumirem as consequências. Um pedido de desculpas e parece que o problema fica sanado...
Aí temos por outro lado ex-governantes e autarcas, ora do PS ora do PSD apanhados ou suspeitos em processos de corrupção, tráfico de influências, apropriação indevida de dinheiros públicos, declarações omissas de rendimentos, fuga ao fisco, etc., e nem por isso, a não ser em caso de condenação, estes senhores, se estão em cargos políticos, põem alguma vez a hipótese de os abandonar. Ou são vítimas de cabala ou os prazos prescrevem e estas alminhas inocentes, onde também o primeiro-ministro parece incluído, simplesmente continuam o seu caminho...
Os anúncios eleitoralistas para o Orçamento de 2015, apenas demonstram apego do PSD ao poder e não escondem que este partido, além de falta de competência para governar, está a apodrecer aceleradamente no governo. Mas nem por isso ele cai. Seguram-no Paulo Portas e o Presidente (ausente) Cavaco, mas também o PS. Um partido que em lugar de se lhe opor e às suas políticas, assobia para o lado e falha o alvo consecutivamente, alimentando a comunicação social com areia para jogar aos olhos do público, enquanto o governo prossegue o seu caminho de destruição. Veja-se a pantomina (internamente desgastante) das chamadas primárias socialistas, ou as propostas não para a defesa dos salários e pensões, não para a renegociação a dívida, ou sequer para questionar o Tratado Orçamental (que obriga à continuação da política de austeridade para 2015), mas, entre outras divagantes, por exemplo a de Seguro, para mudar o sistema eleitoral.
Sejamos francos. Nenhuma medida séria com vista à efetiva mudança de rumo das atuais políticas, em benefício do país, dos portugueses e da recuperação daquilo que a actual geração (pela primeira vez) já perdeu em relação à dos seus progenitores, será praticável se se mantiver incontrolável o sector financeiro e inegociáveis a dívida pública, bem como o limite de 2,5% para o défice do Estado em 2015 (que em breve se verão, aliás, sobrecarregados com a provável "nacionalização" dos encargos do BES).
E sejamos realistas. Esta viragem não passa seguramente pela cabeça nem de um governo incompetente e apodrecido, que prescindiu em nome de terceiros do poder próprio de decisão política, nem de uma oposição entorpecida que mais parece encarar a política como um jogo ou briga de crianças...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 27 de setembro de 2014