Três apontamentos

mario_abrantesEnquanto choviam as medalhas conquistadas pelos karatecas açorianos no Campeonato do Mundo da modalidade que decorria em Almada; enquanto os atletas portugueses venciam ainda no Campeonato da Europa de Ténis de Mesa e conquistavam medalhas em judo, no Grand Prix de Zagreb, ou nos mundiais de Maratona de Canoagem, os nossos ouvidos e o nosso olhar foram totalmente abalroados pela comunicação social nacional com as primárias do PS durante praticamente todo o fim de semana passado e uma boa parte dos dias anteriores e dos que se lhe seguiram. Para além desta política/espetáculo, em fusão sufocante, só o futebol apareceu a disputar as audiências...
Como se fora Portugal inteiro a ir a votos para um único partido, o espetáculo consistia afinal na transmissão direta de umas eleições à americana que, num país de dez milhões, mobilizaram 110 mil cidadãos (menos que o nº de participantes em algumas manifestações dos últimos anos em Lisboa), para escolherem entre duas figuras a apresentar pelo PS nas próximas legislativas como "candidatos a 1º ministro", uma candidatura imaginária pois, que eu saiba, o que há são candidaturas à Assembleia da República...
Longe de mim com esta crítica atingir quem livremente se dispôs a ir votar. Mas o destaque foi francamente exagerado, ao ponto de chamarem de avanço democrático histórico a uma encenação que pouco para além foi de uma disputa de galos donde, tendo como pano de fundo um país em processo de demolição política económica e social, nem uma ideia ou uma proposta alternativa útil e construtiva saiu da boca de qualquer dos contendores.
Entretanto, aproveitando a distração destas primárias, o PSD e o CDS no poder, varreram para debaixo do tapete as dúvidas subsistentes do caso Tecnoforma e engendraram mais uma malfeitoria a aplicar em 2015: A reforma da fiscalidade verde. De uma assentada dois coelhos. Por um lado o eleitoralismo de uma eventual baixa de 1% no IRS, no próximo ano, e por outro, dir-se-ia com louváveis intenções viradas para a defesa do ambiente, a recuperação da receita assim perdida através da criação de outros impostos ou taxas, chamando-lhe reforma. Na verdade o que está em causa é a reafectação da tributação, carregando mais sobre as camadas mais empobrecidas (as menos capazes de satisfazer com os seus rendimentos os cada vez mais exigentes requisitos ambientais), omitindo que uma reforma verde se faz sobretudo com investimento público, formação e educação.

Finalmente uma proposta positiva que nos foi dada a conhecer, em termos de formalização a título individual pelo deputado do PSD na Assembleia da República, Mota Amaral, e simultaneamente de forma concreta e objetiva pelo PCP/Açores, em articulação com o Grupo Parlamentar do PCP naquele hemiciclo: Este grupo, invocando o fim da vigência das medidas anti-autonómicas impostas pelo memorando da troika, decidiu apresentar na Assembleia da República uma proposta de revisão da Lei de Finanças Regionais (que, como todos sabemos, foi no ano transato truncada e limitada de forma impositiva pelo poder central), recuperando, entre outras matérias, o limite do diferencial fiscal do Continente para os Açores de 20% para 30%.

Ao Grupo Parlamentar do PSD na República não lembraria certamente apresentar uma proposta destas, mas poderia ter lembrado ao Grupo Parlamentar do PSD ou do PS no Parlamento Regional, o que no entanto não aconteceu. Ao menos lembrou a um deputado açoriano da AR, restando agora ver como responderão, na República, a atual coligação maioritária e o reformulado PS/António Costa, à oportuna e acertada iniciativa do PCP...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 1 de outubro de 2014