O Relatório do Desenvolvimento Humano (RDH) 2005, este ano dedicado a
aspectos da cooperação internacional – ajuda, comércio e segurança num
Mundo desigual – é, antes de mais, um precioso instrumento de estudo
para a compreensão de alguns fenómenos sociais e políticos do nosso
tempo mas é, sobretudo, uma clara demonstração da falência de um modelo
económico e político de ajuda ao desenvolvimento e da cooperação
internacional.
Os países mais desenvolvidos e de rendimento mais elevado dispõem dos meios e dos recursos, no entanto, mantém privados de rendimento, de educação e de saúde a maioria dos indivíduos que habitam o planeta.
Para além da hierarquização de países (177) - Portugal baixou de 26º para 27º lugar -, o RDH, na sua edição de 2005, avalia os progressos e retrocessos relativamente ao cumprimento, pela comunidade internacional, dos Objectivos do Milénio (ODM).
A classificação dos países é estabelecida segundo o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) – o IDH é um índice composto que mede o desempenho médio de cada país em três vectores básicos de desenvolvimento humano: i) Vida longa e saudável, medido pela esperança média de vida à nascença; ii) alfabetização, medido pela taxa de alfabetização de indivíduos com idade superior a quinze anos e a taxa bruta de inscrição no ensino primário, secundário e superior; iii) bem-estar, medido pelo PIB per capita avaliado em poder de compra paritário em dólares americanos.
Os ODM são um compromisso da comunidade internacional para com direitos humanos elementares e que, no essencial, consistem na redução do número de pessoas que vivem com menos de 1 dólar por dia, na universalidade do ensino primário, na promoção da igualdade dos sexos, na redução da mortalidade infantil, na redução da mortalidade materna, no combate a doenças como o SIDA e a malária, na redução do número de pessoas sem acesso sustentável a água potável e saneamento e, aquele que nos parece ser o cerne do problema, reformar a ajuda ao desenvolvimento e a cooperação internacional.
Para que se possa percepcionar do que estamos a falar, ficam aqui alguns dados sobre as desigualdades no Mundo e porque é que a comunidade internacional assumiu os ODM.
Desigualdades no rendimento:
- “Os 500 indivíduos mais ricos do mundo têm um rendimento conjunto maior do que o rendimento das 416 milhões de pessoas mais pobres.”;
- “… os 2,5 mil milhões de pessoas que vivem com menos de 2 dólares por dia – 40% da população mundial – representam 5% do rendimento mundial.”
Mortalidade infantil: - “Em cada hora, mais de 1200 crianças morrem…”, ou seja, morre uma criança a cada 3 segundos.
Escolarização universal:
- “A meta de atingir o ensino primário universal até 2015 será falhada em pelo menos uma década…”: - “Quarenta e seis países estão a andar para trás, ou não atingirão a meta antes de 2040.
Esses países são responsáveis por 23 dos 110 milhões de crianças que actualmente não frequentam a escola nos países em desenvolvimento.”
O diagnóstico agrava-se e a terapêutica tem sido paliativa. Os já de si modestos ODM dificilmente se atingirão se as políticas mundiais de ajuda ao desenvolvimento e à cooperação não se alterarem substancialmente.
Os dados divulgados pelo RDH e que, penso eu, a todos nos envergonham não são saudáveis para a própria economia mundial. Vejamos o que o oportuno relatório diz sobre a desigualdade global do rendimento.
“Reproduzido a nível nacional o hiato entre países ricos e pobres seria visto como socialmente indefensável, politicamente insustentável e economicamente ineficiente, mesmo em regiões de elevada desigualdade como a América Latina.
As desigualdades globais são menos visíveis, mas não menos prejudiciais ao interesse público do que as desigualdades no interior dos países. Uma economia mundial em que 40% da população vive de rendimentos tão baixos que impedem a total participação na criação de riqueza, dificilmente é boa para a prosperidade e o crescimento partilhados.”
Os 40% de indivíduos a que o RDH se refere não participam no processo económico – não produzem e não consomem; são economicamente dispensáveis na perspectiva pura e dura do neoliberalismo. Terá sido, porventura, a visão teológica do mercado tão cultivada por alguns políticos mundiais, mas também da nossa praça, que terá, paulatinamente, retirado da agenda internacional a África Subsariana.
Aníbal C. Pires em “Olhares”
No Açoriano Oriental em11/11 /05