Exceção feita (por agora) à cobertura informativa do inquérito parlamentar em curso sobre o BES, o país anda a ser literalmente toureado, por agentes do entretenimento político, com o episódio da prisão de Évora, a propósito de quem lá vai ou de quem não vai visitar o detido, se aquele já foi ou quando irá, se o homem é inocente ou culpado, se o seu estado de espírito é este ou aquele. Enquanto isso vão os (garantidamente) inocentes, ou seja os portugueses, sendo efetivamente aprisionados a ditames cerceadores de direitos, liberdades e garantias, pela mão de autores (à solta) de crimes económicos e sociais de lesa pátria, orquestrados com os propósitos da oligarquia financeira nacional e internacional.
Mas o país também já está a ser toureado pela pré-campanha eleitoral da qual merece destaque, digna do Guiness da hipocrisia política, a declaração de Passos Coelho afirmando que o seu governo e de Portas está a "acabar com os donos do país", quando os factos todos os dias os desmentem através da revelação de uma profunda, ilegítima e quase estrutural subserviência do poder político ao poder dos grandes grupos económicos, por onde circulam livremente interesses promíscuos mais ou menos criminalizáveis juridicamente, mas seguramente criminalizáveis ética, económica, social e politicamente.
Ainda no país irreal destas touradas, pontifica uma ministra das finanças que se afirma capaz de obter uma super-coleta de impostos em 2015 e que, esgrimindo com tal argumento, aparenta confrontar as impertinentes e inaceitáveis intromissões de Bruxelas exigindo de Portugal, para o próximo ano, ao abrigo do Tratado Orçamental, mais "esforço orçamental" e mais "medidas estruturais", ou seja, mais austeridade e mais impostos para conter o défice, mais desregulação laboral e menos investimento público...
Mas o discurso da senhora ministra, revelando além do mais alguma inépcia da oradora, cedo escorrega na realidade objetiva da política que está a ser seguida pelo seu governo, quando, abandonando o tom otimista, entra em total contradição com a sua pretensa contestação a Bruxelas afirmando que "custe o que custar" e "tenha quem tiver razão" Portugal sairá em 2015 da "zona do défice excessivo". Ou seja, para além da continuidade das restrições e do aumento da carga fiscal já constantes do Orçamento para 2015, se for necessário tomar novas medidas de austeridade e adotar nova legislação para colocar o défice abaixo dos 3% no próximo ano, isso será feito "custe o que custar" e "tenha quem tiver razão"...
Dum país real que baixa drasticamente os rendimentos a quem produz, empurra para o limiar da pobreza mais de 2 milhões dos seus habitantes e, como diz Adriano Moreira, já caiu na "fadiga fiscal", nunca será possível sacar uma nova super-coleta de impostos. Mas, em face dessa impossibilidade, seria obviamente mais um nefando crime procurar em alternativa penalizar ainda mais os seus habitantes com novas medidas restritivas e de empobrecimento a acrescentar às já aprovadas para o próximo ano pela coligação no poder.
Nenhum deles tem razão portanto. Nem o Tratado Orçamental, que já devia estar suspenso, nem a ministra, mais os seus parceiros de governo, que, a bem da Nação, já deviam ter abandonado há muito os lugares que ocupam...
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 15 de dezembro de 2015