O Espírito de Natal é Anticapitalista

mario_abrantesOcorre-me este título a propósito das palavras acertadas do presidente da Caritas Eugénio Fonseca em entrevista recente concedida ao Jornal Público, tendo como pano de fundo a época natalícia que atravessamos. Dizia ele que este sistema capitalista só valoriza o que tem preço, procura descartar as crianças e os idosos porque não dão lucro e aponta o dedo ao povo, colocando pobres contra pobres, quando pretende generalizar a ideia de que quem recebe subsídios ou ajudas do Estado é malandro. E assim, cortando nesses rendimentos, o sistema colocou em risco de pobreza ou de exclusão social uma em cada três crianças portuguesas. Na verdade o capitalismo monopolista e a sua ideologia neo-liberal de suporte consideram que os investimentos feitos na Segurança Social, e também na Educação e na Saúde, são despesa e, como tal, deverão ser reduzidos ao mínimo.
O capitalismo monopolista põe uns no poder a servi-lo e depois, como forma de nele se perpetuar utilizando a via eleitoral, procura convencer os eleitores que todos os cidadãos politicamente ativos e todos partidos defendem essencialmente o mesmo, são igualmente responsáveis pela crise e prosseguem os mesmos objetivos contrários ao espírito de Natal de que falava o Presidente da Cáritas. Para isso recorre em particular aos meios de comunicação social cuja maioria controla financeiramente. O último e flagrante exemplo desse comportamento partiu do mesmo jornal que entrevistou o presidente da Caritas, insinuando que um dos mais reconhecidos intervenientes na luta anticapitalista e antimonopolista, o partido comunista, tinha recebido, por via da Festa do Avante, um donativo de 11.000 euros do BES. A notícia revelou-se falsa (e prontamente desmentida de forma factual pelo alvo da tramóia), mas nem por isso os objetivos que lhe estavam subjacentes deixaram de ser atingidos já que para muitos a notícia passou como verdadeira porque, entre a mentira e o desmentido, apenas a primeira foi apresentada em letras gordas...
O capitalismo e a sua ideologia neoliberal enquanto dividem ou distraem desta forma as atenções das pessoas, alimentam a corrupção e dela se alimentam, vão despedindo ou vão explorando quem trabalha e comendo o país produtivo às fatias (Angola fica com a Galp, a Espanha com a Somague, a Alemanha com a Auto-Europa, a Inglaterra com os CTT, a França com a ANA e também a PT, a China com a EDP, o Brasil com a Cimpor e os EUA com a Tranquilidade). A TAP está já a ser empratada para seguir para a mesa dos insaciáveis...Enriquecem os ricos, semeando pobreza. Por exemplo os milhões das luvas do negócio dos submarinos recebidas pela família Espírito Santo beneficiaram de uma amnistia fiscal decretada pelo (seu) governo, ficando-se pelos 5%, enquanto os trabalhadores a recibo verde só em impostos e outras contribuições fixas vêem-se, pelo mesmo governo, extorquidos em cerca de 50% daquilo que recebem no final do mês.
O capitalismo e a sua ideologia neoliberal alcançaram até hoje muito poder, assentes na destruição de valores humanos tanto materiais como espirituais. Mas não são todo-poderosos, e nem sempre conseguem empenhar-se como desejariam a cavar divisões entre os pobres, porque eles mesmos, envoltos nas suas próprias contradições, também se dividem de quando em vez, tal como acontece atualmente entre Ricardo Salgado, Ricciardi e o governador do Banco de Portugal. E, porque o espírito de Natal não morreu, se, da cadeira do seu império, o capitalismo, a sua ideologia e o seu governo porventura se desequilibram, poderá o povo surpreendê-los com a vontade e o empenho de construir um mundo novo a sério, como diria o poeta António Aleixo...
Boas Festas e um Feliz Natal.

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 21 de dezembro de 2014