Artigo de opinião de Mário Abrantes
Depois de adotada pelo governo de Passos e Portas, a mentira da inevitabilidade das políticas de austeridade que têm sido aplicadas em Portugal ameaça persistir por uma questão de sobrevivência governativa, sob pena das autoproclamadas virtudes dessas políticas se apresentarem afinal aos olhos dos portugueses como sacrifícios desnecessários ou até crimes premeditados.
Este governo foi entretanto capturado na sua própria teia. De tanto insistir estupida e acriticamente na justeza das opções políticas da ortodoxia financeira e da submissão contínua e prioritária a interesses alheios ao seu país, proporcionando a exploração desenfreada dos seus concidadãos e a abdicação ilimitada da soberania, acaba sendo contrariado pelos próprios impulsionadores dessas políticas que, face à contestação formal vinda de um dos países da UE - a Grécia, se veem obrigados a alterar o discurso e a tentar um rearranjo de posições no seio do nefando quadro regulamentar europeu, na base de um contexto diferente do dos memorandos impostos e fiscalizados pela troika (que, pelo menos de nome, será para desaparecer).
Desmentida pela imprensa alemã, a ministra das finanças afirmou que a sua posição não foi contra o acordo com a Grécia. Mas escorregou ao dizer que apenas tinha insistido no “procedimento habitual da troika”. Precisamente o que a Grécia e o seu povo rejeitaram tal como os portugueses rejeitam.
Humilhação que nos envergonha a todos, a de Portugal servir para a Alemanha de exemplo de sucesso, qual vítima enamorada do algoz, na aplicação (desastrosa, indigna e antipatriótica) das políticas de austeridade, em contraponto com a constatação do seu falhanço assumido noutro país pelo seu povo, órgãos de poder e mesmo por alguns dos seus promotores externos.
O exemplo da política de cortes em salários e pensões. Salários reduzidos a metade dos da zona euro e funcionários públicos com uma perda de mais de 25% do valor da sua hora de trabalho desde 2011. Precisamente o que a Grécia não quer e os trabalhadores portugueses rejeitam.
O exemplo dos 770 mil desempregados sem qualquer tipo de apoio (mais 71 mil sem direito ao subsídio à entrada de 2015). A política de fabricar desempregados e enviá-los de seguida para a pira da miséria. Precisamente o que a Grécia não quer e os portugueses também não.
O exemplo da política de benefício e perdão fiscal às grandes fortunas e grandes empresas, em paralelo com o lastro de corrupção a ela inerente, proporcionando o alargamento contínuo do fosso entre os mais ricos e os mais pobres, como se confirmou pelos números referentes a Portugal divulgados por ocasião da passagem recente do Dia Mundial da Justiça Social. Precisamente o que a Grécia se propôs combater e a maioria dos portugueses compartilha.
Não, não é a Grécia que envergonha a Europa. É uma certa Europa que nos envergonha e que foi abalada pelos acontecimentos na Grécia. E verdadeiramente entalados começam a estar o 1º ministro, o seu vice e o seu governo que, para sobreviverem, se veem amarrados ao discurso da mentira e compelidos a persistir em erros que, por sua vez, se vão tornando progressivamente mais difíceis de encobrir com a panaceia da “execução das reformas estruturais”, da “consolidação orçamental” (e a dívida pública a aumentar?), ou da “saída com sucesso do programa de reajustamento”...
Em fim de vida e desespero de causa, apoiada por um Presidente da República partidário e cúmplice, mais agressiva se tornará em 2015 a ação deste governo e, sem dúvida, mais premente será a necessidade de continuar a combatê-la e procurar travá-la em qualquer frente.