E depois das quotas?

Mário AbrantesArtigo de opinião de Mário Abrantes

O regime das quotas leiteiras, não só proporcionou a existência de um equilíbrio duradouro entre a oferta e a procura de leite e derivados a nível europeu, como permitiu ao sector leiteiro dos Açores desenvolver-se de forma sustentada e, no essencial, respeitadora do ambiente (produção em pastoreio, com encabeçamento limitado por unidade de superfície), aumentando a sua capacidade e qualidade produtivas e atingindo os 30 % da produção nacional ao mesmo tempo que reduzia a sua área afeta, potenciando desta forma melhores condições para a diversificação agrícola e a criação de zonas arborizadas.

Os cerca de 520 milhões de litros de leite anualmente produzidos nos Açores, se lhe juntarmos a indústria de laticínios a jusante, geram uma riqueza direta e indireta à Região da ordem dos 450 milhões de euros (cerca de 18% do Valor Acrescentado Bruto - VAB). Só por si o leite e derivados representam quase metade do rendimento de todo o sector público regional ou de todo o Comércio e Turismo.

Os mesmos 520 milhões de litros, distribuídos por cerca de 2.800 produtores, dos quais a esmagadora maioria (ainda) se constitui em explorações familiares, agregam diretamente à sua volta mais de 17% da população dos Açores e cerca de 10,5% do emprego direto. Tais valores sobem mais de 50% se lhes adicionarmos a população e o número de trabalhadores dependentes ou afetos às empresas correlacionadas e à indústria de laticínios.

O fim do regime das quotas pode representar uma violenta machadada neste importante sector produtivo pela abertura potencial ilimitada à concorrência de produtos afins e de muito pior qualidade colocados no mercado (sobretudo continental) a preços mais baixos, induzindo o sobredimensionamento e a intensificação das explorações leiteiras na Região e provocando em simultâneo a falência de muitos produtores e famílias açorianas. Mas o fim do regime de quotas, contra o qual houve vozes que se levantaram durante mais de uma década, não era inevitável e tem autores...

Em 1999, no tempo do governo socialista de Guterres e do Ministro da Agricultura Capoulas Santos, os governos europeus, nas costas dos produtores, acordaram o fim das quotas leiteiras para 2008. Posteriormente, em 2003, no tempo do governo PSD/CDS de Durão Barroso e do Ministro da Agricultura Sevinate Pinto (recém-falecido), os governos europeus ratificaram o fim das quotas, adiando-o entretanto para o ano de 2015. Finalmente o governo de Sócrates em 2008, com o acordo tácito dos futuros parceiros da troika – PSD e CDS, e ignorando os apelos dos Açores para que essa decisão fosse anulada, estipulou com os outros governos da UE em definitivo a data de 31 de Março, tal como de facto aconteceu, para o fim do regime.

E, suprema lata, depois de tudo consumado nos corredores de Bruxelas no sentido do seu fim, vimos e ouvimos em campanhas eleitorais posteriores a 2008, tanto o PS, como o PSD e o CDS a afirmarem a sua disposição de lutar pela manutenção do regime das quotas leiteiras. Quando, entretanto, tal objetivo foi proposto no Parlamento Europeu, em Dezembro de 2013, os recém-convertidos à defesa do regime afinal voltaram a desdizer-se (ou mostraram a sua verdadeira cara) e votaram contra…

Resta lutar por garantir o preço justo à produção, proteger o mercado nacional através de normas de regulação europeia adequadas e impor quotas obrigatórias de produto nacional à venda nas grandes superfícies, tudo medidas necessárias para a defesa do sector mas que só num quadro político alternativo ao atual será possível implementar.