Artigo de opinião de Mário Abrantes:
Bem podem barafustar e teimar em querer continuar de qualquer maneira e por qualquer via a governar, aqueles que estiveram no poder político em Portugal nos últimos 4 anos. A verdade é que, não obstante o PSD ter sido o partido mais votado nas eleições legislativas de 4 de Outubro (embora com uma das votações mais baixas de sempre), os resultados eleitorais, de acordo com a lei vigente, refletiram a vontade de uma grande maioria de portugueses em rejeitar expressamente as políticas seguidas pela coligação de Passos Coelho/Paulo Portas atribuindo uma maioria absoluta de deputados aos partidos que expressamente rejeitaram tal governo e tais políticas. Uma grande maioria de portugueses disse Não à continuidade de um governo PSD/CDS!
Em primeiro lugar portanto, são razões democráticas legítimas aquelas que determinam e permitem a formação dum novo governo em Portugal que não sendo da PáF, como aquele que o Presidente da República apressada, ostensiva e cegamente empossou (e fico-me apenas por aqui), tenha antes por base uma maioria de suporte parlamentar duradoura e que se oponha às políticas prosseguidas pela coligação durante os 4 anos em que apenas devido à proteção presidencial se conseguiu aguentar no poder.
Além disso, a importância de um acordo para uma alternativa de governo em Portugal não pode quedar-se pela visão simplória e populista dessa possibilidade e da sua concretização ter por base o “golpismo” ou a ambição dos “outros” pelo poder, como acusa o líder do CDS (fazendo-se esquecido da forma como chegou ao cargo de vice-primeiro ministro no governo de Passos Coelho), mas antes deverá ser encarada como uma forma de, correspondendo claramente à vontade do eleitorado, interromper o rumo político que estava a ser imposto a Portugal e aos portugueses.
Interromper a ofensiva continuada contra a dignidade dos cidadãos, tratando-os por números e dividindo-os entre si, e contra os trabalhadores, os seus salários, os direitos laborais, as suas condições de trabalho, facilitando os despedimentos, promovendo a quebra acentuada dos seus rendimentos (em particular na Função Pública), a desregulação laboral, a precarização geral e a emigração massiva. Interromper os cortes continuados às reformas e pensões daqueles que já trabalharam e a quem, por esta forma, foi sendo fria e desumanamente retirado o direito a uma velhice digna e cuidada. Interromper o ciclo do empobrecimento que já conduziu ao limiar da pobreza mais de 1 em cada quatro portugueses, atingindo as crianças em particular. Interromper o saque fiscal cego e castrador das condições de vida de muitas famílias. Interromper as chamadas “reformas estruturais” que destroem os serviços públicos e acentuam as desigualdades e as injustiças sociais, protegendo e engrossando a riqueza de meia dúzia. Interromper enfim a marcha desastrosa das privatizações em sectores públicos estratégicos da economia e dos serviços do Estado, feitas à tripa forra e espezinhando o interesse nacional.
Mas a importância da alternativa deve ainda representar algo mais do que a legítima substituição de um governo de direita apátrida, desprovido de base de sustentação no parlamento e que apenas tomou posse em jeito de rábula. Ela deverá materializar-se também na execução, por outro governo, de medidas políticas de outro tipo que reponham alguma da dignidade nacional sequestrada, algumas das mais gravosas injustiças praticadas, reanimem a economia e aliviem os portugueses da sobrecarga austeritária e empobrecedora que lhes infernizou a vida nos últimos 4 anos.
É nesse sentido que assumem significado emblemático algumas das medidas imediatas a tomar por um novo governo, como sejam, por exemplo, o descongelamento das pensões, a reposição de rendimentos do trabalho ou a recuperação dos feriados da República e da Restauração.