Artigo de opinião de Mário Abrantes
“As eleições presidenciais devem dar sequência às portas abertas em 4 de outubro”. Esta ideia defendida no último fim de semana nos Açores pelo candidato presidencial Edgar Silva, corresponde também à minha. Mas essa mesma ideia também poderia eventualmente ser defendida por outros candidatos que se apresentam à corrida como Sampaio da Nóvoa e Marisa Matias ou até, ainda que com sentidos diversos, por Paulo Morais, Maria de Belém, Henrique Neto ou Graça Castanho. Já não o será garantidamente por quem? Adivinhou caro leitor: por Marcelo R. de Sousa. E isto apesar dos laivos críticos e populistas por ele atirados de quando em vez ao (seu) governo de direita, enquanto cronista da estação televisiva fabricante da sua candidatura, ou atirados mais recentemente, já na sua condição de candidato à presidência da República, ao presidente cessante - Cavaco e Silva.
Mau grado as bem doseadas piscadelas de olho à esquerda que vão até à Festa do Avante, e têm mesmo conseguido iludir alguns mais desprevenidos, o candidato presidencial Marcelo R. de Sousa nunca se proporá “dar sequência às portas abertas em 4 de Outubro”, antes poderá ensaiar fechá-las de novo, simplesmente porque no seu íntimo não desejaria, tal como Cavaco e Silva, que o governo de direita de Passos e Portas, na sequência dos últimos resultados eleitorais, fosse removido e substituído por um governo PS com apoio maioritário na Assembleia da República. Também porque claramente (e não só por vaidade pessoal) acha que Portugal deveria continuar com um presidente da República de direita, que seria ele próprio porque, na área do PSD e do CDS, se acha melhor posicionado para o conseguir. O namoro titubeante à sua esquerda deve-se apenas ao facto de, dada a atual correlação de forças no país, espelhada pelos resultados de outubro, o candidato Marcelo saber perfeitamente que só chamando a si uns tantos eleitores da área do PS, e mesmo da área do BE ou da CDU, poderá vencer numa segunda volta o candidato mais votado na primeira, apoiado pela esquerda portuguesa.
Por se tratar duma eleição unipessoal (vota-se numa pessoa e não em listas partidárias de candidatos a deputados) e efectuada em duas voltas, estas são eleições de tipo distinto das que tiveram lugar em outubro. Mas são também eleições que partem armadilhadas à partida com a construção prévia dum candidato de direita sustentado por mais de uma década de populismo opinativo ao serviço de um canal generalista de televisão e que tem tido de resto, recorrendo a uma forma execrável de publicidade enganosa, quase toda a comunicação social atrás de si a saltar por cima das eleições e a tratá-lo como se já fosse o Presidente da República eleito. Mas não são favas contadas senhores donos da Media Capital. Berlusconi em Itália era dono de duas televisões e acabou por cair…
Marcelo não tem toda a direita a votar por si, e só terá o acréscimo necessário à sua esquerda se conseguir furtar-se ao contraditório com os restantes candidatos, o que ao contrário dos mais de dez anos de monólogo opinativo na TV (quase ao nível das conversas em família dum outro Marcelo, o Caetano) não será fácil acontecer agora na rua ou num estúdio que já não será só seu. Por outro lado, no caso particular deste tipo de eleições, a difusão na primeira volta de outras candidaturas mais à esquerda poderá contribuir para fixar melhor várias faixas do eleitorado, fazer diminuir a abstenção, e assim alcançarem no conjunto uma soma de votos que obrigue o candidato da direita, mesmo ganhando à primeira, a disputar uma segunda volta.
E depois se verá se as portas abertas em 4 de Outubro terão ou não a sequência mais desejável…