Artigo de opinião de Paulo Santos:
Quem fizer compras no Modelo-Continente verá que os embrulhos são feitos por associação dedicada a atividades de beneficência variadas, como ajuda a crianças desfavorecidas. A tarefa tem por contrapartida a obtenção de “caridosa” autorização para realizar o peditório de angariação de fundos no espaço. Os participantes prestam-se à genuína solidariedade. Mas quem dirige a iniciativa move-se por agenda ideológica, assente no pressuposto de desculpabilização do sistema que cria as condições desgraçadas pelas quais o povo passa.
Sejamos claros. Os hipermercados são triste exemplo da exploração do homem pelo homem, materializada nos salários miseráveis, na precariedade e demais abusos sobre os trabalhadores. Mesmo gerando lucros fabulosos, não se satisfazem com a vil exploração que fomentam, e parece que vale tudo para engordar mais ainda os já abarrotados cofres, inclusive o recurso à caridade alheia. Não seria possível que a associação procedesse ao peditório livremente, contratando-se funcionários para os embrulhos, ainda que pagos miseravelmente como é costume? Decerto que sim.
Este é exemplo da crise de valores que afeta a sociedade hodierna. Já não basta que se abuse da caridade para disfarçar os nefastos efeitos da política anti-social, ou para lançar juízos de inexorabilidade sobre o estado de miséria em que tantos vivem. Serve também os lucros dos monopolistas, e sobretudo o propósito de inebriar o povo relativamente às causas substantivas das profundas assimetrias que se vivem. O Natal, ultrapassando o dogma religioso, assume natureza civilizacional, ilustrando a proveniência romano-cristã da sociedade política ocidental. A simbologia associa-se à regeneração, à mudança de mentalidades, a qual hoje imperativamente se impõe.
Um bom Natal a todos.