Um Natal que não soe a falso

MAbrantes2Como dizia o chefe da Igreja Católica, o Papa Francisco aquando da inauguração da árvore natalícia na Praça de São Pedro em Roma: "Haverá luzes, festas, árvores iluminadas, presépios...mas é tudo falso. O mundo continua em guerra, fazendo guerras, não compreendeu o caminho da Paz".
De facto, por melhores que sejam as intenções de quem festeja, soa um pouco a hipocrisia festejar nesta quadra o "amor e a paz na Terra entre os homens" quando o imperativo da sua existência aparenta estar cada vez mais longínquo, exigindo antes, para lá dos festejos, o contributo empenhado de todos os cidadãos conscientes para que se torne possível inverter o perigoso rumo do alastramento dos conflitos violentos à face da Terra.
Mas, diria ainda que se torna importante compreender, e já não será hipocrisia apelar a que nesta quadra se reflicta sobre a questão, que as guerras e os conflitos violentos alastram nos quatro cantos do mundo porque alastram nesses quatro cantos as injustiças sociais, a exploração e a fome, e porque se alarga nesses quatro cantos o fosso entre ricos e pobres, bem como entre países ricos e países pobres. Enquanto não for possível reencetar o caminho da igualdade entre os homens, os povos e as nações, da justiça social e do combate vitorioso à exploração e à miséria, também não será possível alcançar a paz.
E não precisamos de ir muito longe reflectir na prática sobre estas questões, pois mesmo aqui no nosso país, nas nossas ilhas, os últimos anos têm sido de sofrimento colectivo, de empobrecimento, de aumento do desemprego e da emigração, de perda de direitos, de agravamento contínuo das injustiças sociais e de atrofiamento da autonomia.
Inspirados nos valores da quadra que atravessamos, depositemos esperanças e empenhemo-nos da forma que melhor soubermos e pudermos para inverter o gravoso rumo da situação que se vive em Portugal e nas suas Regiões Autónomas, procurando que os mais débeis e os idosos deixem de ser as suas primeiras vítimas, procurando que os jovens possam reencontrar o futuro na sua própria terra, procurando que o desemprego, o trabalho precário e o empobrecimento deixem de ser sombrias e constantes ameaças para quem está na vida ativa, procurando a recuperação dos rendimentos e da justa regulamentação laboral que foram sendo sucessivamente subtraídos àqueles que trabalham, procurando enfim a justiça essencial para que a paz social não permaneça como uma simples e hipócrita figura de retórica.
Mantenhamos acesas as luzes da árvore e do presépio, mas festejemos a quadra procurando que não soe a falso...

 

Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 26 de dezembro de 2015