Artigo de opinião de Mário Abrantes
“De joelhos perante a Comissão Europeia” tal foi a trágico-cómica expressão utilizada por um ex-primeiro ministro, que entrou em paranóia com a perda do cargo, para criticar o Orçamento do Estado da responsabilidade daquele que o sucedeu e relativamente ao qual, violando os mais elementares deveres de isenção jornalística, muitos órgãos da comunicação social não disfarçaram a ânsia de que fosse chumbado explorando até ao último minuto as verdadeiras mas também as imaginárias divisões entre os partidos que o votaram favoravelmente na generalidade e que constituem a maioria dos deputados da Assembleia da República.
Sempre de joelhos e submissos face ao pensamento e orientação únicos da Alemanha e do directório da UE, e sempre afoitos em ir além da troika, estes perigosos tó tós da política que enquanto governantes ensaiaram violar a Constituição ano após ano e se imaginavam domadores da vontade dos portugueses às ordens expressas e inquestionáveis dos mercados e dos interesses da alta finança, agora na oposição afinal estão a ver-lhes passar à frente, transformado em realidade, o que sempre ditaram como impossível, isto é, um orçamento, ainda que negociado, não submisso a Bruxelas, que não prevê mais cortes nos salários e nas pensões ou mais subidas no IRS ou no IVA mas antes melhorias dos rendimentos e que sobretudo, malgrado as suas insuficiências (nomeadamente na valorização das pensões ou no aumento dos impostos sobre os ricos e sobre o capital), olha para os portugueses como pessoas e não como bestas…
Proibir o confisco de casas por execução fiscal; dignificar a função docente; repor as 35 horas dos trabalhadores em funções públicas; reverter as concessões dos transportes terrestres, pelo direito ao transporte; parar com os cortes das pensões de reforma; aumentar o salário mínimo; reduzir ou eliminar a sobretaxa do IRS; reduzir o IVA da restauração ou repor a cláusula de salvaguarda do IMI, são expressões de um orçamento diferente cujo pecado maior não estará certamente na submissão aos ditames da União Europeia mas antes na timidez com que assume essa diferença por não romper nem questionar a vinculação aos seus tratados e por não ser paralelamente acompanhado pela discussão da, mais tarde ou mais cedo, inevitável renegociação da dívida pública.
Mas há mais. Para danação ainda maior daqueles que durante mais de quatro anos não fizeram outra coisa senão de joelhos perante a Comissão Europeia e com a bênção do inquilino da presidência da República humilhar e empobrecer a maioria dos portugueses, na discussão e votação na especialidade deste orçamento abrem-se as portas, por iniciativa do PCP e do BE, à redução da taxa máxima do IMI para 0,4%; ao eventual congelamento das propinas do ensino superior; ao alargamento e melhoria das condições de atribuição do subsídio social de desemprego; ao aumento do estímulo fiscal às micro, pequenas e médias empresas; ao alargamento do acesso e automatização da atribuição da tarifa social de energia e ao reforço do complemento social para idosos.
Tudo exemplos que felizmente entorpecem a imagem daqueles que de joelhos são incapazes de ver outros de pé, ou que de bandeira portuguesa à lapela logo se afadigaram a polir o calçado dos interesses alheios ao seu país...