Tem-se vindo a colocar, por iniciativa do Presidente do Governo Regional dos Açores (a que as eleições deste ano não são certamente alheias), a questão do sistema autonómico e da eventual reformulação ou racionalização das suas estruturas, aproveitando a legislatura iniciada em Outubro e que decorre com poderes de revisão constitucional.
De entre as questões levantadas e que se articulam com as especificidades arquipelágicas da nossa realidade distante do continente, destacam-se em demasia as do sistema eleitoral: ora falando na redução do número de deputados, ora falando nos círculos uninominais, ora falando numa coisa menos conhecida e que dá pelo nome de voto preferencial ou nominal.
Disse em demasia, por me parecer que o sistema eleitoral vigente (círculos por ilha com um mínimo de dois deputados e um círculo único de compensação regional) constitui uma solução minimamente equilibrada para conciliar a representatividade de ilha com a representatividade proporcional. Deste sistema resulta que todas as ilhas têm obrigatoriamente assento no Parlamento dos Açores, mas também que se desperdiça a menor quantidade possível de votos que não elegem efectivamente deputados garantindo maior pluralismo e legitimidade representativa entre os eleitos.
Reduzir o numero de lugares do parlamento implicaria maior quantidade de votos impossibilitados de eleger deputados ou implicaria reduzir a representatividade das ilhas caindo-se assim eventualmente nos círculos uninominais, círculos estes que só aproximariam os eleitores dos eleitos no caso de um ou dois partidos, gerando no todo regional a probabilidade da máxima bipolarização dos eleitos a partir de um mínimo de votos, ou seja, a eleição de uma grande maioria de deputados cujos nomes a grande maioria dos eleitores teriam rejeitado ou em quem nunca se conseguiriam rever...
Quanto ao voto preferencial ou nominal, para além da Autonomia pouco ter a ver com essa opção, mais uma vez traz consigo a motivação (bem pouco consequente) da aproximação entre eleitores e eleitos. Com este sistema permite-se ao eleitor ordenar por dentro de forma preferencial os nomes integrantes das listas partidárias ou outras (coligações ou até listas de independentes). Por exemplo: no círculo de S. Miguel, que elege 19 deputados, cada um de entre 10 partidos concorrentes, apresentaria, mais os suplentes, até 28 nomes. Com o voto preferencial, o eleitor teria de votar sobre uma lista de 280 candidatos... Se já pouca vontade há para ir votar, muito menos haveria para ordenar listas, e como o eleitor não conheceria muitos dos nomes, acabaria por escolher os mais populares, ou artistas, ou desportistas, ou até família...que entretanto entraram em campanha pessoal uns contra os outros, mesmo dentro do próprio partido, diluindo as propostas políticas em confronto. Isto teria tudo a ver menos com a vontade representativa do eleitorado.
A grande abstenção pouco se deve ao sistema eleitoral. Ela é grande porque as pessoas não encontram respostas, e porque muitos dos eleitos, com este ou outro sistema, não se responsabilizam perante elas.
O combate pelo desenvolvimento, pelo emprego, pela diminuição do número de pobres ou pelo aumento dos rendimentos das famílias consegue-se com uma acentuada mudança de políticas no exercício dos poderes legislativos e executivos autonómicos muito mais do que com a mudança do sistema eleitoral vigente. Que esta verdade quase lapaliciana não venha a ser ofuscada por debates fúteis sobre questões de segunda ordem, nos meses que nos separam das próximas eleições para o Parlamento dos Açores...
Artigo de opinião de Mário Abrantes