Eis que, com a chegada do outono, novas ameaças pairam sobre Portugal e sobre o seu governo legítimo, desta vez relacionadas com o possível corte dos fundos estruturais da UE (que irão ser discutidos este mês pelo Parlamento Europeu), na sequência das pressões anteriores relacionadas com o incumprimento do défice no ano transato. As recentes declarações dos responsáveis do Eurogrupo e da Comissão Europeia sobre o eventual congelamento dos fundos comunitários confirmam a existência de um tácito desígnio de condicionar a elaboração do Orçamento do Estado para 2017.
Sob a artificiosa invocação do incumprimento por défice excessivo (em 2015), que ninguém aliás prevê se venha a verificar em 2016, a que agora juntam, inusitada e de forma perversamente conveniente para os seus desígnios, o eventual incumprimento das metas para2016 e a aberrante necessidade da adoção de novas medidas de austeridade, está em curso mais uma operação das instituições e do diretório europeu visando obrigar o país (e submeter os portugueses) a uma reviravolta de políticas que restaurem a agenda de exploração e empobrecimento que vinha sendo ciosa e fielmente cumprida pelo anterior governo de Passos Coelho e Paulo Portas.
Estamos assim perante uma situação que revela o carácter crescentemente inconciliável entre a submissão a imposições da UE e uma política capaz de dar resposta efetiva e coerente aos problemas nacionais.
O que é facto é que os portugueses derrotaram o governo que aplicou diligentemente as orientações de Bruxelas e interromperam essas orientações as quais, de forma acelarada, estavam a desmantelar importantíssimas conquistas económicas, sociais e mesmo civilizacionais alcançadas ao longo de dezenas de anos com muita luta, sacrifícios e persistência.
Com essa derrota e a tomada de posse do governo PS suportado por uma maioria que inclui o PCP, o BE e "Os Verdes", na Assembleia da República, já foi possível: a eliminação dos cortes salariais e a reposição das 35 horas na administração pública, o aumento do salário mínimo, a redução das taxas moderadoras na saúde, o reforço das prestações sociais, o aumento dos abonos de família, do complemento solidário para idosos e do rendimento social de inserção, o descongelamento das pensões e a eliminação da sobretaxa do IRS. Entre várias outras medidas, foi possível ainda, a partir de 1 de Julho, diminuir o IVA na restauração (depois de uma prolongada luta dos pequenos empresários do sector) e os manuais escolares começaram a ser gratuitos a partir do 1º ciclo.
Apesar da importância do que foi feito, é preciso prosseguir no combate à precariedade, na defesa da contratação coletiva, dos salários justos e das carreiras contributivas, no aumento das pensões mais baixas, no apoio às jovens famílias e às crianças, no reforço da licença de maternidade e paternidade, na rede de creches e jardins-de-infância ou na salvaguarda da habitação de pessoas idosas. Isto é possível, maugrado os ventos contrários que sopram de Bruxelas, porque Portugal é um país democrático, com 888 anos de história, zeloso da sua independência e empenhado em alcançar, com mais justiça social, melhores condições de vida para o seu povo.
E se esta Europa se sente incomodada com a presença de Portugal livre e democrático no seu seio, pois Portugal livre e democrático terá todo o direito de se sentir incomodado em permanecer no seio desta Europa discricionária, mesquinha e chantagista...
Artigo de opinião de Mário Abrantes