Apesar das opiniões meritórias oriundas dos quatro cantos do planeta, apesar do prémio Nobel da Paz, apesar da apologia da defesa dos direitos humanos e de outros elevados objetivos proclamados pela administração Obama, as injustiças, as guerras, as desigualdades e os atentados ao ambiente em que essa administração se envolveu em todo o mundo e no seu próprio país nunca pararam de aumentar ao longo dos oito anos de mandato do ex-presidente dos EUA.
Agora os norte-americanos, através de um sistema eleitoral não muito dignificante para quem se acha campeão da democracia, escolheram para seu presidente um ostensivo e declarado defensor da violência, da livre posse de armas de fogo e da corrida armamentista, um apologista da segregação discricionária de povos, raças e países, um promotor de práticas de tortura sobre prisioneiros, um misógino e androcentrista indisfarçado, um aberto preconceituoso para com os emigrantes e as minorias, um construtor de muros da vergonha e um desalinhado com as preocupações ambientais.
Dada a influência dos EUA no rumo dos acontecimentos mundiais, nomeadamente no âmbito da paz e segurança externas, e tendo em conta que as coisas já antes não estavam a caminhar bem nestes aspetos, agora com Donald Trump estamos sem dúvida perante um agravamento muito substancial da tensão internacional, para além das tensões sociais internas no seu próprio país. A interrupção do status quo nas relações com a China e com o Irão, o impedimento discricionário da entrada de muçulmanos no país, o reforçado protecionismo à beligerância e ao domínio ilegítimo de Israel sobre a Palestina, a rotura prepotente das relações com o México por causa do muro fronteiriço, são já disso exemplos concretos, que o positivo (embora não garantido) desanuviamento com a Rússia e a Síria não chega para encobrir.
No entanto, perante esta escalada retrógrada que, vinda de onde vem, a todos deve preocupar seriamente, deverão agora acrescentar-se em contraponto dois factos potencialmente positivos, um a nível interno e outro a nível externo, os quais poderão determinar um futuro coletivo menos nebuloso e pessimista que aqueloutro augurado pela nova liderança dos EUA.
A nível interno, com a eleição e as primeiras medidas e ações presidenciais, a consciência social e o ativismo cívico e político dos norte-americanos parecem ter despertado vigorosamente de um longo torpor que a reiterada postura imperial, por um lado, e o exacerbado culto do individualismo e do consumismo nos Estados Unidos, por outro, vinham determinando há décadas. As constantes e sucessivas movimentações populares, envolvendo milhões de cidadãos norte-americanos, mas também estruturas políticas e jurídicas estaduais e municipais, contra a eleição, as posições e as ações do novo presidente, são disso uma animadora demonstração.
A nível externo, perante o aparecimento dum novo perigo para paz e segurança internacionais e para a defesa dos direitos humanos bem mais sério que um Saddam Hussein ou um Muammar Kadhafi, parece estar a juntar-se ao não alinhamento anterior de muitos países com as posições norte-americanas, o não alinhamento de outros (muitos dos quais na Europa) que até aqui têm por norma prestado estrita vassalagem a todas as orientações e ações imperiais oriundas da administração que pontifica do outro lado do Atlântico…
As batalhas pelo progresso, a paz, a justiça social, os direitos humanos e a igualdade entre povos e nações, parecem agora mais duras e difíceis, mas não estão perdidas porque elas próprias geram no seu seio forças renovadas para vencê-las, a começar neste caso pelas do próprio povo norte-americano.