A abstenção também é um voto. No caso das eleições do passado domingo não terá sido forçosamente motivada apenas pelo alheamento ou o desinteresse do eleitor, mas terá sido também um exercício livre e consciente de cidadania que importa respeitar. Em 2014, sob a intromissão e a pressão austeritária, redutora e empobrecedora da troika, muitos eleitores eurocéticos optaram por engrossar a voz daqueles que no país maior oposição fizeram ao resgate da UE e do FMI: a CDU. Em 2019 muitos destes votos ficaram ou regressaram à abstenção fosse por abrandamento do seu euroceticismo ou pela errada suposição de que a CDU, por dar suporte parlamentar a um governo europeísta na República, teria baixado a bandeira da defesa dos interesses portugueses em Bruxelas e do criticismo relativo a esta Europa e aos seus tratados restritivos e bloqueadores da soberania nacional e do desenvolvimento.
A abstenção em Portugal cresceu para um valor máximo absoluto de 68,6% contrariando a tendência geral nos restantes países que foram a votos, onde baixou para um pouco menos dos 50%. Nestes países os críticos desta União têm-se orientado infelizmente com frequência para o voto em partidos nacionalistas de extrema direita os quais subiram consideravelmente em número de votos. Nota positiva para Portugal: um bom exemplo onde a extrema direita não consegue expressão eleitoral nem consegue demagogicamente atrair a si os críticos da moeda única ou os eurocéticos.
Os resultados nacionais para as europeias também serviram de certa forma para legitimar a solução governativa atual no país, já que a esquerda e o PS arrasaram a direita, apesar das perdas da CDU, calando a boca a muitos, incluindo o Presidente da República na altura, que consideraram um escândalo e quase um golpe de estado a constituição de um governo cujo partido não vencera sozinho as eleições de 2015, mas que se apresentou com suporte maioritário na Assembleia da República. Esta solução, como se tem comprovado, foi bem melhor para o país que a de um governo do PSD com o CDS. Mas o “pai da criança”, consubstanciada na célebre frase de Jerónimo de Sousa após as eleições de 2015: “O PS só não forma governo se não quiser…”, ao pôr os interesses nacionais acima dos eleitoralistas, está a pagar por isso nas eleições subsequentes. Desde então a direita e os interesses económicos dominantes em Portugal, viram muitos dos seus projetos caírem por terra e, por todos os meios ao seu alcance nomeadamente a comunicação social, utilizando a mentira, a difamação e até a calúnia, desencadearam um ataque intenso e persistente contra quem lhes tinha tirado o tapete em 2015: a CDU, com naturais reflexos subsequentes nos resultados eleitorais dessa força política.
Mas nem por isso a direita deixou de perder e perder muito nestas eleições…felizmente para o país.
Nos Açores, novamente eleito campeão da abstenção, com menos de um eleitor em cada 5 a ir votar (81,3% de abstenção), este máximo absoluto repercutiu-se de forma ampliada no resultado do PS (40,8%) e de forma redutora na CDU (2,5%). Mas também aqui a direita é clara perdedora com o BE a ultrapassar o CDS, e o PSD a ficar pela metade dos votos do PS. Perante tal persistência nos recordes da abstenção é caso para perguntar que impacto afinal tem tido nos açorianos a (falaciosa) telenovela dos “deputados pelos Açores” eleitos para o Parlamento Europeu?
Quanto ao Parlamento Europeu, foi positiva a perda do domínio absoluto, em jeito de cartelização, dos dois maiores grupos (onde estão o PSD, o CDS e o PS) que têm determinado entre si a partir de Bruxelas as políticas europeias impostas aos países e regiões menos desenvolvidos, como Portugal. Positivo sobretudo saber-se que continuarão a existir naquele parlamento vozes cujo papel é decisivo na defesa do país, das suas regiões autónomas e das populações, junto das instituições da União Europeia.
Artigo de Opinião de Mário Abrantes