A solução governativa em vigor na República e que vai ser julgada pelos eleitores portugueses em outubro próximo, sucedeu-se a um desastroso governo de coligação de direita entre o PSD e o CDS e assumiu ao longo dos quatro anos que em breve se completam a forma de um governo minoritário do PS suportada por acordos maioritários com o PCP e o BE, permitindo desde logo relevar a importância da Assembleia da República na condução dos destinos do país.
Não foi um governo de esquerda, como se viu claramente na recente aprovação, em aliança com a direita, das alterações à legislação do trabalho, ou na conivência com as imposições restritivas de Bruxelas, mas foi um governo que interrompeu e reverteu em múltiplos casos a política de direita que antes durante e depois da troika vinha sendo executada pelo PSD, pelo CDS e também pelo PS. Isto foi possível graças ao facto de tal governo, não possuindo maioria absoluta de deputados que o suportassem, ter recorrido ao entendimento com os partidos à sua esquerda, facto que proporcionou muitas e importantes medidas de reversão de políticas e de recuperação de direitos e rendimentos.
Sem a iniciativa, a proposta e o voto dos partidos à esquerda do PS, as privatizações não teriam sido interrompidas, não haveria reposição de salários, feriados, das 35 horas e do pagamento por inteiro do subsídio de Natal, não haveria aumentos de pensões, de abonos de família, e o aumento extraordinário das reformas, não haveria novas medidas de apoio aos desempregados ou a valorização das longas carreiras contributivas, através da diminuição das penalizações com a reforma antecipada aos 60 anos, com 40 anos de descontos.
Sem a iniciativa, a proposta e o voto do PCP e do BE, não haveria liquidação da sobretaxa e redução do IRS sobre os rendimentos do trabalho, redução do IVA da restauração, eliminação do Pagamento Especial por Conta, tributação do património imobiliário de valor elevado com o adicional ao IMI ou aumento do IRC sobre as empresas com lucros mais elevados, não haveria redução dos custos com a eletricidade e dos preços dos passes dos transportes públicos.
Sem a participação dos partidos à esquerda, não haveria a reposição do pagamento integral das horas extra e do trabalho noturno nem a diminuição da precariedade do trabalho na Administração e no Setor Públicos, não haveria o desagravamento contributivo dos trabalhadores a recibo verde, a descida da taxa máxima do IMI e a gratuitidade dos manuais escolares até ao 12º ano, não haveria o acordo sobre a redução do teto das propinas e a facilitação do investimento autárquico em habitação, o estabelecimento de tarifas sociais para a água e o travão aos despejos.
E se não se foi mais longe, se ficaram medidas por tomar, investimentos por fazer, ou foram tomadas outras de sentido negativo, isso apenas se deveu às opções do PS e aos suportes circunstanciais que o seu governo, para as fazer vingar, solicitou ao PSD e ao CDS.
Foi assim, por exemplo, quando rejeitaram as propostas de defesa da contratação coletiva e de reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, de combate mais abrangente à precariedade laboral, de renegociação da dívida pública ou da recuperação do controlo público dos CTT.
Assim se desmistificam os epítetos de “governo de esquerda” ou “maioria de esquerda” com que o PSD e o CDS procuram esconder as suas próprias responsabilidades e o seu papel de apoio ao Governo PS em todas as opções que se revelaram estruturalmente negativas para o povo e o país.
Para que o país avance de forma consolidada em relação ao futuro, o que falta não é um qualquer governo de maioria absoluta, mas um governo onde a esquerda veja reforçadas a sua influência e as suas posições.
Artigo de opinião da autoria de Mário Abrantes