E, não julguem, apressadamente, alguns leitores que me move um interesse corporativista uma vez que, como é do vosso conhecimento, sou um trabalhador da administração pública e, de entre estes, pertenço a um sector que, tendo sido uma paixão anunciada de outros governos com a mesma matriz política, é hoje um sector mal amado. Não é nenhuma visão redutora das medidas anunciadas pelo governo do Eng. José Sócrates que me leva, uma vez mais, a vir a terreiro. Bem pelo contrário, o que me faz retomar esta temática é uma preocupação que tem crescido à medida que o meu conhecimento sobre “Programa de Estabilidade e Crescimento 2005-2009”, tem aumentado. A designação dada ao conjunto de medidas pressupõe, desde logo, que este programa visa, por um lado a estabilidade das contas públicas e, por outro o crescimento económico. Esta dedução tem alguma legitimidade pois como todos sabemos trata-se do controle do défice público e da crise de crescimento da economia portuguesa. Numa primeira apreciação cedo se pode verificar que programa visa fundamentalmente a redução do défice e da forma que qualquer merceeiro faria, ou seja, na coluna da receita por via do aumento dos impostos e na coluna da despesa à custa dos trabalhadores da administração pública.
Quanto ao crescimento económico (é bom lembrar que Portugal necessita é de desenvolvimento) o objectivo é “… retomar a convergência com a média europeia e alcançar em 2009 um crescimento do PIB de 3%.” E como se propõe o governo atingir este objectivo? Pois bem, da seguinte forma: “…uma fortíssima redução do défice dos actuais 6,8% para um valor abaixo dos 3% já em 2008 e um esforço de redução da dívida pública, dos actuais 67% para 64,6% em 2009”. Para isto não era necessário gastar 15000€ ao orçamento geral do estado pois qualquer jovem estudante de economia do ensino secundário, a troco do salário mínimo e a recibo verde, seria capaz de elaborar esta proposta de solução para a estabilidade das finanças públicas e para apresentar projecções de indicadores de crescimento económico para 2009. Apesar de não ser um especialista nas questões da economia quer-me parecer que a proposta de crescimento económico apresentada, ou seja, alcançar um crescimento de 3% do PIB, em 2009, tem muito pouco a ver com a dinamização da economia e depende, obsessiva e quase exclusivamente, da redução do défice público. Esta afirmação fundamenta-se, ainda, no facto de ao longo do Programa de Estabilidade e Crescimento 2005/2009 a referência a medidas potenciadoras do crescimento económico serem escassas e, quando referidas serem negativas como, por exemplo, a redução real do investimento público, nomeadamente o comunitário, até 2007.
Se no que concerne a medidas para o crescimento económico o governo foi parco, já no que à diminuição de despesas com administração pública diz respeito o governo demonstra uma grande capacidade e criatividade, nomeadamente, ao propor a dinamização da “Bolsa de Supranumerários” para onde serão encaminhados os trabalhadores considerados, pelas chefias, inadequados ou excedentários. Depois de permanecerem 3 meses na “bolsa” os trabalhadores perdem direito a 1/6 do vencimento, ou seja, ao vencimento em exercício, podendo, ainda, perder o vínculo à administração pública se não aceitarem propostas de colocação noutros departamentos, em condições a estabelecer posteriormente. O programa prevê, também, “aliciantes” incentivos à migração dos trabalhadores da administração pública para o sector privado. Só dinâmicas sociais fortes e de contestação a esta farsa podem travar a ofensiva aos direitos sociais e laborais e à mediocridade disfarçada de projecto de modernidade.
Lisboa, 16 de Junho de 2005 Aníbal C. Pires em “Politica” No Açoriano Oriental em 17/06/05