Ouvi um comentador de um canal de televisão referir que a adesão portuguesa à UE se poderia classificar através do abecedário, referindo que: o A poderia caracterizar a “Afirmação de Portugal a nível internacional”… Não posso de forma nenhuma concordar com os aplausos generalizados à integração de Portugal na União Europeia, da mesma forma que não posso concordar com a afirmação de Francisco Sarsfield Cabral no Diário de Notícias, ao referir que “o regime democrático solidificou em Portugal, funcionando a alternância no poder sem qualquer drama”, como se os problemas com que nos deparamos actualmente em termos económicos e sociais não fossem precisamente o resultado dessa alternância de partidos no poder, sem alteração das medidas políticas essenciais. De facto, a alternância entre o PSD e o PS deve-se única e exclusivamente ao facto de vivermos numa democracia e não ao facto de termos aderido à UE.
Por outro lado, tal como a grande maioria dos portugueses, não posso considerar essa alternância como positiva, uma vez que o essencial dos problemas do nosso país não só persistem como em alguns casos se têm vindo a agravar. O comentador do DN refere igualmente “basta pensar nas estradas ou no comércio que tínhamos antes da adesão para se tornar evidente a diferença”… É óbvio que para mim o desenvolvimento económico e social não se mede em quilómetros de asfalto de estradas, mas sim através de índices como taxas de emprego, poder de compra, melhoria da qualidade de vida, acesso à saúde e educação, combate à pobreza e exclusão social, e aparelho produtivo. Que benefícios nos trouxe a adesão à União Europeia, nos moldes em que esta se encontra?! O grande problema reside no facto de termos uma Europa a duas ou três velocidades… Uma Europa dos grandes e outra dos pequenos… Uma Europa onde se têm agravado as desigualdades sociais… Sem dúvida que o grande desafio que se coloca a todos os membros da UE é a construção de uma Europa onde sejam garantidos os direitos sociais, uma Europa solidária e não, como tem acontecido até agora, uma Europa onde os grandes decidem e os pequenos se subjugam. Não podemos continuar a defender a convergência em termos de desenvolvimento económico esquecendo a convergência salarial – basta olharmos para o salário médio dos nossos vizinhos espanhóis, muito superior aos nossos…
Por outro lado, a integração na União Europeia tal como existe neste momento, trouxe graves problemas ao desenvolvimento económico e social do nosso país, basta vermos que deixámos de ter capacidade de decidir o que produzir, como e quando produzir… Tivemos que nos sujeitar a uma Política Agrícola Comum (PAC) e a uma Política Comum de Pescas que asfixiam completamente o nosso aparelho produtivo. Desde a integração na União Europeia que os açorianos têm assistido à tentativa de delapidar a nossa agricultura e as nossas pescas, pilares fundamentais da economia regional. Aquilo que queremos para a nossa agricultura é única e simplesmente que nos deixem produzir de acordo com a capacidade que temos. Da mesma forma que o que queremos para as nossas pescas, é que nos deixem gerir os recursos que temos e que sejam criadas condições para que os mares açorianos não sejam delapidados por uma pesca intensiva que terá graves repercussões no equilíbrio ambiental.
Por outro lado, passados vinte anos da adesão de Portugal à UE, continuamos a bater recordes nos índices de pobreza e exclusão social; nas taxas de analfabetismo e iletracia; na precaridade laboral… Continuamos a ser o país com maior índice de desigualdades sociais e onde tem aumentado drasticamente o fosso entre ricos e pobres, bem como o número de pessoas no limiar da pobreza. É possível uma Europa mais equilibrada, onde não haja as desigualdades sociais que neste momento existem, contudo, tal só será viável com uma viragem nas políticas e essa viragem não se faz através da alternância com a continuidade de mais do mesmo, mas apostando em quem defende alternativas económicas e sociais, em prol do desenvolvimento económico e social e não de retrocessos civilizacionais.
Lurdes Branco em “Politica no Açoriano Oriental em 3/01/2006