Sócrates ganhou um amigo na Presidência

anibal_pires.jpgO rescaldo das eleições presidenciais permite, a todos nós, a compreensão e a clarificação dos pequenos nadas, mas que fazem toda a diferença, das estratégias seguidas pelos candidatos mas, sobretudo, pelas estratégias adoptadas pelas direcções políticas das diferentes formações partidárias do espectro político português no posicionamento que adoptaram na disputa eleitoral que deu a vitória, pelos ínfimos 0,59%, ao candidato da direita e do centro-direita.
Com a vitória de Cavaco Silva ganhou o próprio, é claro, mas ganharam, particularmente, as direcções políticas do PSD e do CDS/PP ao colocarem, pela primeira vez depois da Revolução de Abril, um candidato da sua família política no Palácio de Belém e, apesar do publicamente anunciado, a maioria “presidencial” não se vai dissolver vai, sim, entrar num estado latente para, em momento apropriado, ser potenciada política e eleitoralmente. Há, no entanto, outros ganhadores e, naturalmente, alguns derrotados. A candidatura de Jerónimo de Sousa, apoiada pelo PCP, valeu pela expressão eleitoral que obteve e pelo enriquecimento do espaço público nacional. A campanha eleitoral a determinação e a confiança que inspirou aos seus apoiantes e simpatizantes e o respeito que granjeou junto dos adversários esbatem o facto de a sua candidatura não ter conseguido o objectivo central. O PS e Mário Soares são, de facto, os grandes derrotados desta corrida à Presidência da República não só, pela votação obtida mas também, e mormente, pelo capital político que os 20% de votos conferem a Manuel Alegre.
 
A forma como o PS de José Sócrates, porque há outro(s) PS que não o do primeiro-ministro, encarou as eleições presidenciais foi determinante para que os resultados conferissem a vitória a Cavaco Silva o que torna legítima a pergunta: Não seria este resultado um desejo íntimo de José Sócrates? Restam-me poucas dúvidas. Afirmações e comentários pós-eleitorais de alguns especialistas em economia e analistas políticos consideram ser Cavaco Silva o Presidente apropriado para que o governo de José Sócrates possa dar continuidade ao aprofundamento das políticas e reformas em curso. Sem querer retirar mérito ao presidente eleito e aos seus apoiantes a verdade é que Cavaco Silva vai para o Palácio de Belém “levado ao colo” pela estratégia de Sócrates. A estratégia de José Sócrates só não foi totalmente conseguida porque um outro PS se mobilizou em torno da candidatura de Manuel Alegre e derrotou o candidato oficial. A gestão que Manuel Alegre venha a fazer do seu capital político é um dos factos mais interessantes que decorrem dos resultados eleitorais do passado Domingo. Resta saber se Manuel Alegre vai continuar a alimentar o folclore político nacional ou, se vai ter a coragem de assumir o que, tão enfaticamente, afirmou na campanha eleitoral e contribuir para uma objectiva mudança política no seio do PS.
 
Menos interessante mas mais penalizador para a maioria dos portugueses será a continuidade das políticas de orientação neoliberal que se estruturam na própria crise económica e financeira e que contarão com o aval do novo Presidente da República que, aqui e ali, até pode pontilhar o seu discurso com algumas bandeiras da esquerda. Será mesmo curioso ver Cavaco Silva assumir, pontualmente, um discurso virado para a defesa dos direitos sociais “tentando refrear” os ímpetos neoliberais deste governo, mas nada fazendo para o evitar, e preparando, calmamente, o caminho para que nas eleições legislativas de 2009 a agora “dissolvida” maioria presidencial (PSD e CDS/PP) saia vitoriosa e se cumpra o sonho da direita e do centro-direita – um presidente, uma maioria e um governo (a ordem é, neste caso, arbitrária). A mobilização social e política, o reposicionamento do PS para a esquerda do centro e, o necessário e imprescindível reforço do PCP afiguram-se como factores essenciais para a ruptura democrática com esta política que cada vez mais nos afasta do progresso e do bem estar. Os resultados eleitorais confirmaram as minhas inquietações. A confiança de que o futuro será diferente e a disponibilidade para lutar por ele mantêm-se inabaláveis.
 
Aníbal C. Pires em “Olhares” no Açoriano Oriental a 27 de Janeiro de 2006