Quotas e outras demandas

anibal_pires.jpgCom a aproximação do fim de mais um ano agrícola os excedentes de produção de leite regressaram às manchetes dos jornais e à agenda política nacional e regional. O serviço público de transportes de mercadorias para e na Região está a ser posto em causa após as instância da União Europeia (UE) terem dado provimento a uma queixa, sustentada pelo princípio da livre concorrência, apresentada por um operador de transportes marítimos.
Estes são apenas dois, de entre outros, aspectos em os Açores continuarão a ser penalizados pelas políticas da UE. De um modo geral, todo o sector primário e as indústrias transformadoras dele dependentes sentem, desde há muito, os efeitos das políticas comunitárias que, por não reconhecerem, nem traduzirem (porque são comuns e adaptadas a um vasto e contínuo território continental) as especificidades deste viver insular, distante dos grandes centros de decisão e amargurado pela forte dispersão territorial. São inegáveis as vantagens imediatas que a Região e o País retiraram da adesão e integração europeia. Não pretendo sequer contrariar a ideia de que grande parte do desenvolvimento que se verificou se deve, no essencial, a esse facto. Mas, também não tenho qualquer espécie de ilusão sobre a factura que temos, mais tarde ou mais cedo, de pagar pela nossa adesão e progressiva integração.
 
O estrangulamento do sector socio-económico que mais contribui para a formação da riqueza regional mediante a imposição de limites à produção é, se outros faltarem, um exemplo paradigmático e como as políticas não podem ser comuns quando a realidade é tão diversa. Quer queiramos quer não as economias saudáveis sustentam-se no sector produtivo e no seu equilíbrio com os sectores da transformação e o do comércio e serviços. Aniquilar ou enfraquecer o sector produtivo regional é acentuar a dependência e periferia que caracteriza a economia regional para além de contrariar, irracionalmente, as condições naturais que dispomos para que as pescas e a agropecuária continuem a assegurar riqueza e bem-estar por toda a região. A acusação, fundamentada, de que a exploração agropecuária tem contribuído para alguma degradação ambiental não pode ser ignorada. Mas o adiamento da solução, da qual os agricultores não são responsáveis, nomeadamente a requalificação dos terrenos agrícolas que se situam em zonas ambientalmente mais sensíveis (bacias hidrográficas e outras), apenas tem servido os detractores da “lavoura” açoriana e prejudicado os interesses regionais, uma vez que garantir a rentabilidade deste sector deveria ser um desígnio regional.
 
À agropecuária açoriana foi pedido que se modernizasse e que aumentasse a produtividade. O sector correspondeu, fizeram-se investimentos e a capacidade produtiva aumentou, não por via do alargamento da área de exploração ou do aumento do encabeçamento mas, pela introdução de factores biotecnológicos e da melhoria do maneio da manada. Hoje, incompreensivelmente, pede-se aos produtores que produzam abaixo da capacidade instalada, no entanto: - É ou não absorvida pela indústria transformadora toda a produção excedentária de leite? - É ou não comercializado e escoado todo o produto transformado? - É ou não importada matéria-prima (leite em pó) para suprir necessidades da indústria? Se as respostas a estas questões são, como penso, afirmativas uma outra pergunta se legitima. - A quem serve e para que servem os limites à produção de leite? A resposta fica ao cuidado dos leitores desta coluna.
 
Aníbal Pires, In Expresso das Nove, 17 de Fevereiro de 2006