Desenvolvimento harmónico regional versus “Ilhas de Valor”

anibal_pires.jpgAs especificidades regionais – condição insular e arquipelágica, a grande distância ao território continental e a grande dispersão territorial – deram corpo à necessidade sentida de um sistema de autonomia política e administrativa para os Açores que, é bom sempre recordar, só com a Revolução de Abril de 1974 se veio a instituir.
A Constituição da República e o Estatuto Político e Administrativo consagram, respectivamente, a existência de órgãos de governo próprio e as competência e instrumentos para que estes, os órgãos de governo próprio, possam estabelecer as estratégias e executar as políticas que garantam o desenvolvimento harmonioso da Região. Ou seja, o sistema constitucional da autonomia resulta directamente do facto do desenvolvimento do arquipélago carecer de linhas de orientação específicas que, obrigatoriamente, terão que ter em conta as suas características intrínsecas. O Estatuto da Região Autónoma dos Açores (Lei n.º 61/98 de 27 de Agosto) estabelece no seu artigo 96º que o Plano de Desenvolvimento Económico e Social deve visar “o desenvolvimento harmonioso e integrado do arquipélago, o bem estar e a qualidade de vida do povo açoriano e a coordenação das políticas económica, social, cultural e ambiental”. Por outro lado o mesmo Estatuto estabelece no seu artigo 95º que “o desenvolvimento da Região deve processar-se dentro das linhas definidas pelo Plano de Desenvolvimento Económico e Social e pelo Orçamento Regional”.
 
Conclui-se assim, de forma directa, que as disposições constitucionais e estatutárias consagram a necessidade de existirem medidas especificas propiciadoras do desenvolvimento económico e social e consagram também, iniludivelmente que tais medidas devem ser desenvolvidas no quadro do Plano de Desenvolvimento Económico e Social e do Orçamento Regionais. É necessário igualmente lembrar que o Estatuto da Região Autónoma dos Açores estabelece que é competência da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovar o Plano de Desenvolvimento Económico e Social, discriminado por programas de investimento, alínea b) do artigo 30º, e aprovar o Orçamento da Região Autónoma dos Açores discriminado por receitas e despesas alínea c) do artigo 30º. Pode pois concluir-se, em termos de enquadramento, que as medidas especificas que visem o desenvolvimento económico e social de todo o Arquipélago constituem um imperativo político sendo, igualmente um imperativo político garantir que essas medidas sejam desenvolvidas com inteiro respeito pelas competências dos Órgãos de Governo Próprio da Região Autónoma dos Açores e pelo regime económico e financeiro estabelecido no Estatuto.
 
A opção por um Fundo de Coesão e a subsequente criação de um instrumento, sob a forma de uma Sociedade Gestora de Capitais Públicos designada “Ilhas de Valor”, até a designação da sociedade foi infeliz, apresenta-se assim como uma opção política de demissão de competências que cabem, constitucional e estatutariamente, aos órgãos de governo próprio da Região. A atribuição de competências que cabem, em primeira instância, ao governo regional a fundos e sociedades só podem ser entendidas como a admissão do fracasso da governação, a opções de investimento público profundamente desequilibradas que provocaram acentuadas assimetrias no desenvolvimento regional e, sobretudo, à tentativa de fuga ao controle democrático da Assembleia Legislativa Regional.
 
Anibal Pires, In Expresso das Nove, Ponta Delgada, 03 de Março de 2006