Na discussão de um relatório sobre protecção das crianças nos Açores, o Deputado Aníbal Pires denunciou hoje no Parlamento Regional a postura de PS, PSD e CDS, partidos que impuseram a desregulação das relações laborais, a flexibilidade laboral, que continuadamente favoreceram o trabalho precário e os regimes parciais; os partidos que foram os apóstolos da moderação salarial, da degradação das remunerações dos trabalhadores e dos seus direitos, e que recusam aliviar os sacrifícios das famílias; partidos que aplicaram cortes profundos nos apoios sociais, impuseram regras para excluir portugueses pobres do acesso ao subsídio de desemprego e ao rendimento social de inserção e que agora se dizem preocupados com a pobreza infantil.
Para o PCP a opção política de aumentar a intensidade dos ritmos de trabalho,permitir horários laborais desregulados, inconstantes, quando não imprevisíveis, com turnos e ritmos que não acompanham os do restante agregado familiar; a precariedade laboral, bem como os novos regimes laborais sem direitos, sem licenças de maternidade ou paternidade, sem direito a faltas para assistência à família são factores que contribuem decisivamente para desproteger as crianças, tornando-as mais vulneráveis aos perigos e susceptíveis a comportamentos negativos.
Intervenção do Deputado Aníbal Pires na discussão do
Relatório do Grupo de Trabalho – Análise e Avaliação das Políticas Públicas Regionais Açorianas de Proteção das Crianças
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Em primeiro lugar, cumpre-nos elogiar o trabalho desenvolvido por este grupo de trabalho, que é sem duvida uma valiosa ferramenta técnica à disposição deste Parlamento.
É uma análise técnica porque isso é o que compete a um grupo de trabalho duma comissão Parlamentar. Cabe-nos agora ira para lá do plano técnico, da mera análise das respostas e dos mecanismos de detecção dos problemas e procurar as questões que estão na raiz dos riscos para as crianças. E essas vamos encontrá-las, sobretudo no plano do político. Vamos, então, ao político. Vamos então, à raiz.
Os riscos para as nossas crianças estão intimamente, diríamos organicamente relacionadas, com as dificuldades das famílias. Embora não se resumindo a isso, os problemas financeiros são os mais centrais. Não podemos discutir políticas públicas de protecção às crianças sem falar do rendimento das famílias porque o maior problema das crianças açorianas é, sem qualquer duvida, a pobreza.
Diga-se que pobreza é uma palavra que empregamos com prudência, já que, à medida que encolhe o rendimento médio nacional, também assim desce o limiar do que é considerado, estatisticamente, pobreza. Assim, por exemplo, um indivíduo que recebesse mensalmente 422 Euros por mês seria considerado pobre em 2009, mas já não o seria em 2010, mesmo que o seu rendimento se mantivesse exactamente igual. Em 2015 esse limiar é de 421 Euros. O “sortudo” indivíduo que aufere 422€ não seria pobre no ano passado. Daí que as descidas na percentagem estatística do número de indivíduos abaixo do desse limiar na nossa Região não nos sosseguem.
Mas temos de abordar a pobreza infantil no seu próprio contexto, que é o do rendimento das famílias. E quanto à pobreza, entendida de forma mais abrangente, importa apontar que, nos Açores, o risco de pobreza é muito mais elevado para as famílias com filhos e em especial. As crianças são por isso das camadas etárias mais afectadas pela pobreza e daí advêm uma uma série de privações, dificuldades e riscos que não basta serem detectados e geridos à posteriori.
Como tem vindo a ser afirmado por vários especialistas e no decorrer das audições promovidas pelo grupo de trabalho, entre as crianças afectadas pela pobreza, há uma prevalência de famílias afectadas não só pelo desemprego, como também, e usando a expressão do parecer da União Regional das Misericórdias dos Açores, com “rendimentos de trabalho precário e disfuncional”.
Mas vale a pena profundar, pela voz de um especialista, e cito o Professor Fernando Diogo da Universidade dos Açores: “O que está em causa é que boa parte do que são os empregos dos açorianos situam-se em setores de atividade que pagam mal e que oferecem atividades com um elevado grau de precariedade no emprego e que exigem fracas qualificações escolares, fazendo com que os ordenados sejam baixos e, para muitos indivíduos, sejam, também, irregulares, gerando situações de baixos rendimentos, em especial em sectores de atividade que empregam um grande número de indivíduos nos Açores (Agricultura, Pescas, Construção Civil, Turismo).” Citei.
A qualidade do emprego, a sua estabilidade, segurança e remuneração são factores determinantes para o fenómeno da pobreza. Temos esta triste realidade, na nossa Região, de grande parte dos nossos trabalhadores serem efectivamente pobres.
Mas para além do desemprego, da irregularidade laboral e dos baixos salários, vale também a pena incluir neste problema os factores que fazem com que as famílias tenham cada vez mais dificuldades em acompanhar as crianças, em estar presentes, em ter tempo para a educação dos filhos, em transmitir-lhes valores, avisos e ensinamentos indispensáveis à sua formação enquanto seres humanos e cidadãos.
E esses estão ligados ao aumento de intensidade dos ritmos de trabalho, ao trabalho que tem de se trazer para casa, roubando tempo à família; aos horários laborais desregulados, inconstantes, quando não imprevisíveis, com turnos e ritmos que não acompanham os do restante agregado familiar; à precariedade em que o trabalhador faz tudo, a qualquer hora, muito para lá do horário na esperança, tantas vezes vã, de evitar o despedimento ou conseguir a tão ambicionada renovação do contrato. Também os novos regimes laborais sem direitos, sem licenças de maternidade ou paternidade, sem direito a faltas para assistência à família ou acompanhamento dos menores em momentos ou actividades decisivas para o seu desenvolvimento. Tudo isto claramente desprotege a criança, distancia-a da família, torna-a mais vulnerável aos perigos e susceptível a comportamentos negativos.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Se estamos verdadeiramente preocupados com uma questão precisamos de ir às suas raízes. Achamos importantíssima toda a rede de respostas sociais, preventivas e reactivas, de apoio e protecção da infância, mas achamos que ficar por aí e não abordar as causas profundas do problema é ficar pelo assistencialismo.
E que outro nome podemos dar à atitude dos partidos que impuseram a desregulação das relações laborais, a flexibilidade laboral, que continuadamente favoreceram o trabalho precário e os regimes parciais; os partidos que foram os apóstolos da moderação salarial, da degradação das remunerações dos trabalhadores e dos seus direitos?
Como é que partidos, como o PSD e o CDS, que ainda recentemente aplicaram cortes profundos nos apoios sociais, impuseram regras para excluir portugueses pobres do acesso ao subsídio de desemprego e ao rendimento social de inserção, agora vêm para aqui dizer que estão preocupados com as crianças e que são sensíveis aos seus problemas?
Mas assistencialista é também a atitude do Governo Regional, ao recusar aliviar as dificuldades das famílias, mantendo a taxa mais alta do IVA no seu nível mais elevado, negando-se a baixar o custo da electricidade, recusando a distribuição gratuita dos manuais escolares e limitando-se a acenar com os poucos euros que distribui através do complemento regional ao abono de família, como se assim já estivesse a resolver os problemas da pobreza infantil na nossa Região!
Sejamos sérios, senhores Deputados: Ou estamos a falar das soluções para minorar os problemas reais das nossas crianças, da necessária mudança de políticas, valorizando os trabalhadores, garantindo e ampliando os seus direitos, minorando as dificuldades das famílias, ou então estamos apenas a dar continuidade às políticas que as empobreceram e que as põem em risco.
Para a mudança de políticas, contam com o PCP. Para a continuidade não. Obviamente.
Disse!
O Deputado do PCP Açores
Aníbal Pires