Vítor Silva, coordenador da Direcção Regional dos Açores do PCP, afirmou hoje em conferência de imprensa em Angra do Heroísmo, “ O PCP/Açores reassume a sua profunda identificação com a Autonomia Constitucional, o essencial do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma dos Açores daí subsequente, os seus fundamentos históricos e geográficos, as suas estruturas orgânicas básicas e o adquirido da sua prática ao longo dos já mais de 40 anos de exercício, consagrado na Lei Fundamental do País. Foi a Autonomia decorrente da Constituição e da revolução de Abril que abriu finalmente ao Povo Açoriano perspetivas de progresso e desenvolvimento sempre negadas ao longo de 48 anos, o tempo que durou a ditadura centralista de Salazar e Caetano.”
Por intervenção do poder central, a Autonomia dos Açores tem sofrido sérias restrições e atropelos ao longo dos últimos anos, contando por vezes com a passividade e mesmo a cumplicidade do poder regional (veja-se o caso paradigmático do constrangedor memorando acordado entre o governo dos Açores e o governo central do PSD/CDS, na vigência do pacto de agressão por sua vez acordado entre a troika e o PS, o PSD e o CDS). Com o objectivo de aplicar aos açorianos o essencial das imposições austeritárias daquele pacto, a autonomia administrativa e financeira dos Açores viu-se seriamente limitada, em clara violação da Constituição da República e do Estatuto Político Administrativo dos Açores.
Como exemplos entre muitos, bastará citar a aplicação dos cortes salariais, o bloqueio das carreiras e o impedimento de novos recrutamentos no respeitante aos trabalhadores da administração regional e do sector empresarial público dos Açores; a recusa da reposição do diferencial fiscal entre os Açores e o Continente; a submissão do orçamento regional ao visto prévio do Ministério das Finanças, antes de ser discutido no parlamento açoriano, ou a “suspensão” da Lei de Finanças Regionais, entre outros.
Mas os constrangimentos do direito, ao autogoverno daqueles que vivem neste arquipélago provêm também das imposições da União Europeia, que afetam de forma profunda a capacidade da Região legislar, regulamentar e definir livremente as regras que melhor servem o seu desenvolvimento, em sectores tão fundamentais quanto a agricultura e pescas, os transportes, o turismo, o comércio e a regulação dos mercados.
É necessário o reconhecimento e o respeito pela nossa Autonomia também por parte dos organismos europeus.
Esta situação impõe a necessidade de criação de mecanismos jurídicos e políticos que permitam proteger o acervo autonómico e garantir os direitos da Região e impedir atropelos ao Estatuto Político-Administrativo.
Esta visão da eventual necessidade do aperfeiçoamento da Autonomia e das suas estruturas, bem como do seu reconhecimento no quadro da União Europeia, não nos impede no entanto de constatar que muitas das nossas debilidades políticas, económicas e sociais se prendem com o sub-aproveitamento das competências autonómicas já existentes. Deixaram de existir razões para constantes querelas sobre a Autonomia, fossem elas de iniciativa regional ou central (de que uma das figuras mais instigadora foi sem dúvida o Presidente da República cessante, Aníbal Cavaco Silva). A terceira revisão do Estatuto Político-Administrativo dos Açores, de janeiro de 2009, clarificou de forma avançada e justa, face às nossas especificidades arquipelágicas e geograficamente distantes, o poder legislativo regional. Mas a acção governativa não tem conseguido em múltiplas situações e circunstâncias vencer o desafio decorrente dessa clarificação de competências que consiste em utilizar com a máxima amplitude o poder autonómico de que a Região está hoje investida para se resolverem os problemas concretos que aos Açores e aos açorianos se vão colocando na senda do desenvolvimento socialmente útil, ou para fomentar a participação cívica dos cidadãos na vida política regional. Sintoma proeminente deste último facto é a persistência de um elevado abstencionismo eleitoral disperso pelas nossas nove ilhas.
Discordamos portanto daqueles que partem de pressuposto que somente através da alteração substancial das estruturas autonómicas ou da “reforma” da Autonomia esse e outros problemas se resolverão.
Para o PCP nos Açores a autonomia defende-se e aperfeiçoa-se, cultivando-a e exercendo-a até aos seus limites estatutários e constitucionais, e não será certamente a criação de mais uma figura, como a de Presidente dos Açores, como alguns propõem, que ultrapassará os constrangimentos que nos são impostos por Lisboa ou Bruxelas.
Em boa verdade a introdução artificial, artificial porque não decorre de uma necessidade efetivamente sentida na Região como em outros contextos políticos se verificou, mas como dizia, a introdução na agenda política regional da designada “Reforma da Autonomia” constitui, desde logo, uma tentativa de justificar a falência da governação regional centrando, assim, a atenção da opinião pública açoriana numa questão que sendo importante, não é na opinião do PCP nos Açores, uma questão prioritária.
As prioridades do PCP nos Açores centram-se na procura de soluções e de propostas, que possam contribuir para resolver os problemas da distribuição do rendimento, do desemprego, da precariedade, da formação profissional, da crise nos setores produtivos, que atingem em particular a fileira do leite e das pescas, ou ainda na coesão social, económica e territorial que, como sabemos e sentimos deixou, há muito de fazer parte da agenda política do PS, que governa, e do PSD que não o sendo, se apresenta aos açorianos como alternativa de poder.
A resolução destes problemas que afectam a vida dos açorianos, não se consegue solucionar essencialmente com a reforma da Autonomia ou com a racionalização das respetivas estruturas que têm vindo a ser vaticinadas, considerando a configuração básica actual do sistema autonómico. Consegue-se talvez sobretudo, com uma acentuada mudança de políticas no exercício dos poderes legislativos e executivos autonómicos; consegue-se também com o funcionamento efectivo da cooperação e da solidariedade nacionais, e consegue-se ainda com a alteração do posicionamento paternalista e amorfo da União Europeia face às regiões ultraperiféricas, face aos seus direitos económicos e face aos constrangimentos permanentes que as afetam, em particular às mais distanciadas do continente europeu como é o caso dos Açores
O facto de alterarmos por exemplo o sistema eleitoral, avançando para a diminuição do atual número de deputados, em nada garantiria por si só a maior “racionalidade” do funcionamento da Autonomia, mas implicaria certamente a existência de maior quantidade de votos impossibilitados de eleger qualquer deputado, menos partidos (e só os maiores) representados no parlamento, e a redução significativa da representatividade das ilhas.
Por outro lado, o facto de recorrermos a listas de votos preferenciais ou nominais, pouco ou nada teria a ver com a Autonomia ou com a vontade representativa do eleitorado, mas antes com a fulanização da política, a sub-valorização das ideias e dos programas e a complicação do ato eleitoral através da escolha de nomes em listas com dezenas e dezenas de candidatos onde naturalmente se destacariam as personalidades com palco mediático.
Na verdade a grande abstenção pouco se deve ao sistema eleitoral vigente que aliás constitui uma solução minimamente equilibrada para conciliar a representatividade das ilhas e a representatividade proporcional consubstanciando um sistema satisfatoriamente justo. A abstenção é grande porque as pessoas não encontram respostas e porque muitos dos eleitos, com este ou outro sistema, não se responsabilizam perante elas.
Na mira daqueles que consideram dever proceder-se desde já a um debate sobre a reforma da Autonomia aproveitando os poderes constituintes da Assembleia da República eleita em outubro de 2015, estão também, entre outras propostas, a extinção do cargo de Representante da República ou a atribuição de maiores competências aos Conselhos de Ilha. Quanto à primeira questão, o que nos parece é que, pelo esvaziamento das funções atribuídas à figura, a eventual extinção do cargo pouco afetaria o essencial do funcionamento do sistema autonómico, não deixando no entanto de constituir matéria que a seu tempo, no caso de vir a ser aberta uma revisão constitucional, mereceria ser debatida e eventualmente consensualizada. Quanto às competências dos Conselhos de Ilha, não nos parece à partida útil e racional reforçar os poderes de órgãos consultivos que passariam a funcionar quase como “câmaras corporativas”, podendo desafiar e concorrer com as decisões e competências do Parlamento Regional e da representação legítima dos interesses de ilha perante o poder executivo, acometidas à responsabilidade democrática direta dos deputados eleitos pelos respectivos círculos.
Por outro lado, a dispersão territorial impõe antes que se procurem soluções valorativas ao nível do poder local democrático (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia) com mais competências e meios financeiros, para que cada uma das unidades territoriais da Região seja envolvida e possa responder às necessidades das populações e ao desenho de projetos de desenvolvimento adequados às especificidades e potencialidades endógenas de cada uma das nossas ilhas procurando formas de organização intermunicipal que potenciem os recursos financeiros disponíveis e a complementaridade da capacidade e das infra-estruturas instaladas ou a instalar em cada concelho.
Qualquer tentativa de criação de um novo nível de poder entre o poder regional e o poder local não merecerá, assim, o apoio do PCP/Açores.
Angra do Heroísmo, 1 de Junho de 2017
A DORAA DO PCP