Em intervenção política proferida ontem, no plenário da Assembleia Legislativa Regional, o deputado do PCP Aníbal Pires afirmou que as mudanças aplicadas na educação têm obrigatoriamente de preparar os alunos para enfrentar o futuro, e não melhorar as estatísticas do sucesso educativo, escondendo os seus problemas e dificuldades bem reais.
Apoiando-se no recente estudo da Inspecção Regional de Educação, o deputado comunista declarou ainda que a obrigatoriedade dos docentes estarem na escola durante a componente não lectiva do seu horário não produziu efeitos positivos, confirmando-se assim a razão dos docentes, que desde a primeira hora se opuseram a este modelo.
Intervenção política do deputado Aníbal Pires sobre Educação
Estamos a poucos dias de se iniciar mais um ano lectivo e o clima que se vive nas Escolas, que nesta altura do ano de desejava tranquilo, está invariavelmente em ebulição.
Subsistem velhos e crónicos problemas com instalações e equipamentos, com a precariedade laboral dos docentes, 15% dos professores na Região são contratados, o que demonstra bem como os quadros das unidades orgânicas estão desajustados, e como se já não bastasse, este ano lectivo traz-nos mais um devaneio inovador da Secretaria Regional da Educação e Formação.
Uma nova matriz curricular para funcionar apenas no ano 2009/2010. Isto, segundo o Governo Regional que, em resposta a um requerimento da Representação Parlamentar do PCP Açores, tenta fundamentar esta reforma num atabalhoado despacho, publicado apenas para tentar emendar o erro técnico e político com que pretende justificar a nova matriz curricular.
Importa, todavia, que a comunidade educativa e a sociedade açoriana sejam devidamente esclarecidas sobre todo este processo e percebam, por um lado, a incompetência que grassa no seio da equipa política da Secretaria Regional da Educação e Formação e, por outro, o desrespeito que a esfíngica titular da Educação na Região tem vindo a demonstrar por esta Câmara.
Mas, ainda antes de colocar à consideração do Plenário as questões que aqui trago ao debate, quero lembrar que antes da abertura do ano lectivo 2010/2011, ou seja, durante o presente ano parlamentar aqui viremos, a fazer fé no aludido despacho da Secretária Regional da Educação e Formação, discutir uma outra matriz curricular pois, segundo o Governo Regional, este novo desenho curricular é apenas para vigorar durante ano escolar 2009/2010.
Claro que a Educação será, certamente, objecto de debate e de agendamento pois, como se sabe, o Estatuto da Carreira Docente do continente sofreu alterações, nomeadamente com o acréscimo de três escalões e, forçosamente, até para garantir a intercomunicabilidade dos quadros, o Estatuto da Carreira Docente Regional terá de ser, mais uma vez, objecto de alterações pela ALRAA, a não ser que a Secretária Regional da Educação e Formação também pretenda fazê-lo por despacho.
Mas voltemos à nova matriz curricular e à forma como ela está a ser instituída.
A Secretária Regional da Educação e Formação, em reunião da Comissão Permanente do Ensino Público, realizada em Junho passado, na cidade da Horta, apresentou uma nova matriz curricular para ser implementada nos três ciclos do Ensino Básico na Região, já a partir do ano lectivo 2009/2010. Na proposta altera-se a carga horária semanal das áreas curriculares disciplinares. E procede-se, no que diz respeito às áreas curriculares não disciplinares, à substituição da Área de Projecto e Estudo Acompanhado por Investigação e Apoio Multidisciplinar.
Ora, estas alterações, de acordo com o disposto no artigo 4º do Decreto Legislativo Regional 15/2001/A de 4 de Agosto, com as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas, só podem ser fixadas por Decreto Legislativo Regional.
Por outro lado, levantam-se muitas dúvidas se as alterações agora apresentadas mantêm respeito integral pelo currículo nacional correspondente, conforme estabelecido na alínea a) do artigo 3º do mencionado Decreto Legislativo Regional.
Quanto ao despacho n.º 858, de 30 de Julho de 2009, que a SREF publicou numa tentativa serôdia de emendar a mão e dar resposta às dúvidas colocadas pelos Conselhos Executivos, à contestação dos professores e ao requerimento apresentado pelo PCP, datado de 11 de Julho de 2009, lembro à Senhora Secretária Regional que esse despacho enferma de uma grave ilegalidade!
Passo a explicar: Sendo certo que o DLR n.º7/2006/A, de 10 de Março, no ponto 1 do art.º 2.º, confere a competência ao membro do Governo Regional que tutela a Educação para determinar ou autorizar a realização de experiências pedagógicas, não é menos verdade que o ponto 3 do mesmo artigo lhe introduz limitações às experiências pedagógicas e passo a citar: “As experiências são limitadas no tempo, não podendo exceder três anos escolares, e restringem-se a determinado ou determinados estabelecimentos ou turmas”. Fim de citação.
Pois bem Senhoras e Senhores Deputados, se quanto à questão temporal não oferece qualquer dúvida. Mas o mesmo não se pode dizer do universo sujeito à experimentação, que abrange todas as escolas da Região. Fica, assim, claro que não estamos perante uma experiência, mas sim perante a universalização da matriz. Esse é o facto que fere de morte este despacho da Secretária Regional da Educação e Formação.
Quanto aos fundamentos legais que tornam este acto político numa ilegalidade, fico-me por aqui. Todavia, outros podem ser aduzidos, como fundamento para mais esta demonstração de incompetência da Secretaria Regional da Educação e Formação. No entanto, ainda deixo à Dra. Lina Mendes mais um elemento para reflexão, sob a forma de uma interrogação:
Qual ou quais os estudos científicos que sustentam as alterações das cargas horárias e a introdução de novas áreas disciplinares em substituição de outras e onde está a avaliação do actual desenho curricular que V. Exa., tal como o seu antecessor, parece querer a qualquer preço alterar?
O Sistema Educativo na Região, bem como no restante território nacional tem vindo a sofrer de profundas alterações pela mão quer do Governo de José Sócrates, quer pela mão dos Governos do PS Açores.
Direi sobre isto que a Escola Pública precisa de encontrar os caminhos que dêem respostas aos desafios do presente e do futuro mas, direi também, que a generalidade das alterações que foram sendo introduzidas não respondem a essas necessidades e, por consequência, não produzem a elevação da qualidade do ensino que todos desejamos. Melhoria da qualidade que tem sido o falacioso chapéu com que o PS na Região e na República pretendem justificar todas as alterações que tem introduzido.
E deixo apenas dois exemplos paradigmáticos:
Um dos objectivos de avaliação dos membros dos Conselhos Executivos, que substituiu recentemente um outro, pretende ter em consideração a celeridade na resposta por parte dos CE, aos ofícios da DRE e da SREF.
Pergunto: Em que é que a satisfação deste objectivo de avaliação contribui para a melhoria da qualidade do ensino?
Um outro exemplo prende-se com regulamentação da componente não lectiva dos docentes. Vou socorrer-me do Relatório da Inspecção Regional da Educação sobre a Componente não Lectiva do Pessoal Docente relativo ao ano lectivo de 2008/2009.
Este estudo da Inspecção Regional de Educação (IRE) resulta da actividade inspectiva de controlo da Componente não Lectiva do Pessoal Docente. Esta actividade foi levada a cabo em 15 unidades orgânicas (representam 78%), nos meses de Fevereiro e Março de 2009 (fresquinho e actual).
Abstenho-me de vos maçar com a descrição da metodologia utilizada mas, não posso deixar de enfatizar que a observação directa e presencial foi utilizada, ou seja, a IRE não se limitou à análise de dados quantitativos e qualitativos quis, e muito bem, ver, ouvir e sentir os efeitos e impactes da regulamentação da componente não lectiva do pessoal docente no sistema educativo da Região.
Nas conclusões e recomendações do aludido Relatório pode ler-se: (Cito)
“Finalmente, consideram (os Conselhos Executivos) que o número total de horas da componente não lectiva dos docentes – para prestação de trabalho ao nível do estabelecimento de ensino – ao dispor da unidade orgânica é excessivo, tendo em conta o número de alunos disponíveis para participar em actividades. Os alunos têm horários contínuos, isto é, só têm intervalo entre aulas para o almoço. Assim, as actividades propostas, na sua maioria só se podem realizar depois das aulas. Todavia, acontece que os transportes escolares são também uma condicionante à programação das actividades. Por outro lado, sendo as actividades propostas de inscrição e participação facultativa, não se podem fazer horários para as turmas com espaços entre aulas para a realização daquelas. Portanto, há um excesso de oferta de horas, traduzido em excesso de oferta de actividades, estando os docentes mobilizados e a cumprir horário, mas sem alunos. Esta situação é mais evidente nas unidades em que o nível etário dos docentes é mais elevado.
Conclui-se que o número de horas da componente não lectiva dos docentes para prestação de trabalho ao nível do estabelecimento de ensino deveria ser reduzido, sendo transferido para a realização de trabalho ao nível individual.”
Esclarecedor! Muito esclarecedor Senhoras e Senhores Deputados!
O Governo Regional, pela mão de Álamo de Menezes e agora pela da enigmática e esfíngica Lina Mendes, quis, a todo o custo, os docentes amarrados à escola. Os educadores e os professores bem tentaram dizer que não. Esta medida não produziu nenhum efeito positivo no sistema educativo e privou-os do tempo necessário à preparação da actividade lectiva e da sua necessária actualização e auto-formação.
O Governo Regional, do alto da sua arrogância, fez orelhas moucas e teimou, teimou, teimou em manter quadros especializados a “picar o ponto” e a cumprir horários improdutivos.
E a questão é:
Face a esta recomendação da IRE qual foi a atitude da SREF? E diga-me Senhora Secretária o que é que esta medida, puramente administrativa, contribuiu para a melhoria da qualidade do ensino nas nossas Escolas?
Nada! E V. Exa. tem disso consciência mas não atendeu às recomendações que lhe foram feitas.
V. Exa., Senhora Secretária Regional, procura a qualidade nas estatísticas e esquece-se do que é mais importante – os impactos que as medidas políticas e alterações administrativas produzem na qualidade do ensino público na Região. Isso a Senhora Secretária não faz!
Não faz porque porventura os resultados obtidos seriam desastrosos e ficaria claro aos olhos de todos que, afinal, as políticas educativas na Região não respondem às necessidades de uma Escola Pública de Qualidade. De uma escola apta a fornecer às nossas crianças e jovens os instrumentos e saberes que as dotem de capacidade e competências, que lhes permitam enfrentar o futuro e as constantes alterações nos perfis profissionais. É a este problema que temos de dar resposta! Não às estatísticas!
Assembleia Legislativa Regional dos Açores – 8 de Setembro de 2009
O Deputado Regional do PCP
Aníbal Pires