Saúdo os participantes neste painel e o moderador deste debate. Saúdo, na pessoa do Sr. Vítor Silva, o SIABA não só, pela organização deste importante ciclo de debates, mas também pela intervenção que tem vindo a desenvolver em defesa dos trabalhadores do seu sector e, em particular, na defesa dos trabalhadores da Base das Lages. A minha saudação final vai para todos os trabalhadores da Base das Lages que como sabemos desenvolvem a sua actividade profissional num ambiente com especificidades muito próprias e que, apesar de reguladas, é por vezes muito hostil e objecto de uma grande discricionaridade. Gostaria de o não fazer mas tenho de lamentar que o partido que é poder na Região e na República não se tenha feito representar neste debate. A ausência de um representante do PS demonstra, de algum modo, como quem exerce o poder político na Região e no País encara os problemas que vivem os trabalhadores da Base e o acompanhamento do Acordo Laboral.
1. Introdução O Acordo de Cooperação e Defesa constitui o quadro institucional do relacionamento bilateral entre Portugal e os Estados Unidos. É ao abrigo deste tratado entre os dois estados que estão definidas as condições de utilização da Base das Lages, cujo interesse no âmbito geoestratégico é conhecido e que tem servido em diferentes ocasiões como suporte da política externa estado-unidense, que por não ser o tema central deste debate me escuso, para já, de comentar. O Acordo de Cooperação e Defesa define um conjunto de objectivos que envolvem a colaboração nas áreas política, militar, económica, comercial, científica e cultural, bem como a cooperação específica com a Região Autónoma dos Açores. O Tratado é assistido por uma Comissão Bilateral que reúne com periodicidade bianual e o Acordo Laboral prevê a existência de uma Comissão Laboral para acompanhamento das situações decorrentes do Regulamento de Trabalho dos trabalhadores portugueses ao serviço da FEUSAÇORES e do cumprimento ou incumprimento do próprio Acordo Laboral. A necessidade e a pressão exercida pelos trabalhadores, pelos sindicatos e pela opinião pública regional levou o poder político regional a criar uma Comissão de Acompanhamento, no âmbito da Assembleia Legislativa Regional, e um Grupo Interdepartamental para as Questões das Lages, na dependência da Presidência do Governo Regional, com o objectivo de salvaguardar os interesses regionais que decorrem do Tratado e que a partir de meados da década de oitenta deveriam ter, pela sua própria natureza, ter resultado em projectos de desenvolvimento para a Região. Este é, ainda que sumariamente, o quadro legal e político que enforma este debate em torno das questões laborais da Base das Lages.
2. A cooperação específica com os Açores O Acordo Laboral da Base das Lages, tema central deste debate, é parte integrante do Acordo de Cooperação e Defesa e pode ser considerado como uma parte daquilo a que o tratado se refere como “…cooperação específica com os Açores.”. O Acordo Laboral é, nos Açores, a parte do Acordo de Cooperação e Defesa mais visível e, sem qualquer margem para dúvidas, a parte mais substantiva e que mais efeitos positivos tem sobre a população e a própria economia açoriana. Não se pode, nem deve, ignorar o número de famílias que dependem dos postos de trabalho da Base, nem se pode ignorar o facto, deve sim ser valorizado, que por via destes trabalhadores e do seu trabalho entram anualmente na economia regional 16 milhões de euros. Quando saímos do âmbito do Acordo Laboral, ou seja, das mais valias que advêm da prestação de trabalho pelos trabalhadores portugueses às FEUSAÇORES temos alguma dificuldade em encontrar benefícios directos para a Região por via da designada “… cooperação específica com os Açores. A substância dos benefícios decorrentes do Acordo de Cooperação e Defesa com os Estados Unidos ao invés de ficar na Região vai, quase por inteiro, para o estado português. Os efeitos negativos (problemas ambientais: poluição sonora e atmosférica; e condicionalismos ao tráfego da aviação comercial), os efeitos negativos, como dizia, da utilização da Base das Lages, que não devemos nem podemos ignorar, ficam, por inteiro, na Região.
3. O Acordo Laboral O articulado do Acordo Laboral levantou, no momento próprio, e continua a levantar-nos algumas dúvidas no que à sua constitucionalidade diz respeito. Dúvidas que se fundam nas limitações que o Acordo impõe ao direito e à liberdade de associação sindical, contrariando princípios constitucionais e a Lei Sindical, sobre o tratamento diferenciado dos trabalhadores portugueses relativamente aos trabalhadores estado-unidenses e, a possibilidade de despedimento individual sem justa causa. Mas, deixando para outros espaços e tempos as questões formais da legalidade do Acordo Laboral, importa hoje e aqui, debruçarmo-nos sobre o seu acompanhamento, cumprimento, o posicionamento do poder político regional e nacional e a disponibilidade política para inverter esta situação de esquecimento e abandono a que os trabalhadores têm estado, inexplicavelmente, votados.
3.1 Acompanhamento Tratado prevê, como já anteriormente referimos, mecanismos de acompanhamento traduzidos na Comissão Bilateral e na Comissão Laboral. A inoperacionalidade destas Comissões no que diz respeito às questões que decorrem do Acordo Laboral e dos demais Regulamentos de Trabalho dos trabalhadores civis da Base é uma evidência. Se me permitem gostaria de vos ler um excerto dos temas abordados na 18.ª reunião da Comissão Bilateral realizada no Departamento de Estado em Washington. “(…) No plano bilateral foram propostas algumas novas áreas de cooperação, tanto no domínio da Força Aérea como no do armamento, com destaque para a árae do tráfico de droga, imigração ilegal e outras actividades ilícitas.(…)” “(…) Finalmente, foi referido o excelente relacionamento entre os Comandantes militares dos dois países na Base das lages, o que tem permitido que, numa base de consenso, sejam solucionadas a maior parte das questões que vão surgindo. (…)” O consenso referido nas conclusões da 18.ª reunião da Comissão Bilateral, que acabamos de citar, advém, obviamente, do bom relacionamento entre os Comandos militares e, em não respostas. Ignorando a conflitualidade laboral o tempo acaba por tudo resolver como veremos mais adiante.
A frequência das reuniões (bianual) e a marginalidade com que as questões laborais são abordadas deixam sem qualquer direito de defesa os trabalhadores que, por exemplo, em caso de recurso por despedimento (previsto no Art.º 86 do Regulamento de Trabalho) as diferentes instâncias hierárquicas, de mediação e acompanhamento estão obrigados aos seguintes prazos: - Comandantes – sem prazo de resposta; - Comissão Laboral – sem prazo de resposta - Comissão Bilateral – sem prazo de resposta Com estes “prazos” para responder à contestação dos trabalhadores, a estes só resta uma solução: - o recurso aos Tribunais. Mas também aqui, talvez por se tratar de um Tratado Internacional em que uma das partes é os Estados Unidos, a celeridade processual traduz bem a importância dada aos trabalhadores e ao cumprimento do Acordo Laboral. É do domínio público que só para decidir da competência para julgar os Tribunais demoraram 8 anos. É, igualmente, do domínio público que as FEUSAÇORES não aceitam as decisões judiciais e que estas são remetidas para apreciação na Comissão Bilateral que, como sabemos, não tem prazo para se pronunciar. Sobre a Comissão de Acompanhamento e o Grupo Interdepartamental não dispomos de elementos de apreciação para fazer qualquer juízo, a não ser a sua inoperacionalidade, consideramos, no entanto, que a sua actuação e intervenção pode e, sobretudo deveria assumir uma relevante importância desde que não seja instrumentalizada partidariamente.
Aliás ao que julgo saber os trabalhadores mantêm, legitimamente, uma expectativa positiva nesta nestes organismos de acompanhamento criados na Região. A ausência neste debate de um representante do partido que detém o poder na Região e também na República não é, no entanto, um bom presságio. O Acordo Laboral e os trabalhadores da Base das Lages não mereceram, uma vez mais, por parte do PS Açores o respeito que lhes é devido enquanto cidadãos e parte integrante deste importante instrumento que, se bem utilizado, poderia contribuir para desenvolver projectos em vários domínios com efeitos positivos na Região.
3.2 Cumprimento O acompanhamento do Acordo no que concerne às questões laborais é um assunto marginal ou, diríamos mesmo, totalmente ignorado pelas Comissões e motivos não faltam para que quer a Comissão Laboral, quer a Comissão Bilateral quer, ainda, a Comissão de Acompanhamento e o Grupo Interdepartamental se pronunciassem como, de seguida, procuraremos demonstrar. Os indícios de incumprimento do Acordo Laboral têm vindo a ser denunciados pelos trabalhadores e pelos sindicatos e, para além de questões do foro dos direitos laborais, centram-se nos seguintes aspectos: - não aplicação do Resultado do Inquérito Salarial, em clara violação do art.º 13 ponto 1 e 4 do Regulamento de Trabalho; (referir alguns dados de anos anteriores) - contratação de civis estado-unidenses na situação de pessoas a cargo ou dependentes, violando o art.º 5 do Acordo Laboral e o art.º 21 do Regulamento de Trabalho. Esta clara violação do Acordo Laboral e do Regulamento de Trabalho merecia, em primeira instância, por parte do estado português uma tomada de posição em sede do acompanhamento do Tratado, uma vez que um dos signatários não cumpre o acordado que, talvez por o Congresso dos Estados Unidos nunca ter ratificado o Acordo de Cooperação e Defesa, não se sinta obrigado a cumpri-lo. O silêncio do poder regional face, quer às violações do Tratado, quer à sobreposição do poder político sobre o poder judicial (veja-se o incumprimento pelas FEUSAÇORES da decisão de integração de um trabalhador, passados 19 anos, ordenada pelo Tribunal), apenas confirmam que a questão laboral e os trabalhadores da Base das Lages constituem, para o poder político regional e nacional, moeda de troca para benefícios políticos e financeiros que, em nossa opinião, pouco têm a ver com os interesses regionais e nacionais.
3.3 Questão política Do que fomos enunciando sobre o Acordo Laboral e do que é conhecido no espaço público, facilmente se percebe que os diferendos laborais e o incumprimento do Acordo denotam, por um lado a subserviência do estado português face ao imperial aliado e, por outro que estas e outras questões menos claras do Acordo de Cooperação e Defesa só não são resolvidas porque quem tem exercido o poder político em Portugal deseja que tudo fique tal como está. Com esta posição apenas pequenos grupos de interesses portugueses beneficiam e beneficia, claramente a política externa estado-unidense. A atitude de subserviência do governo português e a inoperância do governo da região servirão tudo menos o interesse regional e nacional.
3.4 A posição do PCP Açores O PCP Açores mantendo reserva quanto à legalidade do Acordo Laboral considera que as reivindicações dos trabalhadores da Base das Lages são legítimas e que mais não são que a exigência de cumprimento do que está consignado no Acordo Laboral e do Regulamento de Trabalho logo, logo estas reivindicações devem ser apropriadas pelo poder político. Pois o não cumprimento de parte do Acordo de Cooperação e Defesa entre Portugal e os Estados Unidos deixa de ser apenas uma questão laboral para ser um problema de Estado. O PCP Açores reafirma a sua total disponibilidade no apoio às reivindicações dos trabalhadores da Base das Lages e na exigência, junto do Estado português, do cumprimento integral do Acordo Laboral e do Regulamento de Trabalho que lhe está associado. O PCP Açores congratula-se com esta iniciativa de debates promovidos pelo SIABA, com o posicionamento e apropriação pelo movimento sindical unitário (CGTP/Açores e CGTP/IN) da luta dos trabalhadores da Base das Lajes (o Caderno Reivindicativo dos Trabalhadores Açorianos, para 2006, incorpora a luta dos trabalhadores da Base) e compromete-se a, na medida da sua representatividade, tomar iniciativas políticas que contribuam para que as reivindicações dos trabalhadores sejam satisfeitas. Ou seja, a exigência e o interesse nacional é que os signatários do Acordo de Cooperação e Defesa cumpram aquilo a que estão obrigados pelo Tratado, nomeadamente, o Acordo Laboral.
Praia da Vitória, 21 de Outubro de 2006
O Coordenador Regional PCP Açores, Anibal C. Pires