Uma delegação de deputados ao Parlamento Europeu (PE), decidida no âmbito da sua Comissão de Assuntos Económicos e Monetários (ECON), conclui hoje uma visita oficial de dois dias a Portugal, realizada no âmbito de uma suposta avaliação da acção da troika em Portugal. Saliente-se que os deputados portugueses que integram esta delegação o fazem na qualidade de observadores, o que, por si só, não deixa de ser revelador do espírito e objectivos que a norteiam.
Esta visita, inicialmente prevista ser realizada aos demais países alvo de programas UE/FMI (Grécia, Chipre e Irlanda), surge na sequência da elaboração de um relatório sobre o papel e a acção da troika no âmbito dos chamados programas de assistência financeira a países da Zona Euro.
Concluída esta visita, e conhecido que é o teor do projecto de relatório mencionado (de que são relatores um deputado austríaco do Partido Popular Europeu e um deputado francês do grupo dos Socialistas e Democratas), os deputados do PCP ao Parlamento Europeu entendem necessário e oportuno esclarecer o seguinte:
1. Os relatores deste relatório e os grupos políticos a que pertencem – onde se incluem PSD, CDS e PS – caucionaram no Parlamento Europeu, no essencial, quer a constituição da troika e sua composição, quer o teor e natureza política dos chamados memorandos de entendimento.
2. Os relatores deste relatório e os grupos políticos a que pertencem – onde se incluem PSD, CDS e PS – caucionaram e defendem no Parlamento Europeu os conceitos de "consolidação orçamental" e de "ajuste estrutural" que dão corpo aos programas UE/FMI, a processos como o semestre europeu, a governação económica ou que foram incluídos no chamado Tratado Orçamental (que estes três partidos votaram favoravelmente), procurando garantir a eternização das políticas ditas de austeridade mesmo depois do fim do período de vigência destes programas.
3. Procurar avaliar "o que correu bem e o que correu mal" na acção da troika sem olhar ao conteúdo, objectivos centrais e natureza de classe dos chamados "memorandos de entendimento" não pode resultar senão numa grosseira operação de branqueamento dos programas UE/FMI, das responsabilidades dos partidos e grupos políticos que constituem a maioria do PE e, sobretudo, do carácter ilegítimo da própria intervenção. Trata-se de uma intolerável tentativa de legitimação das opções políticas que enformam estes programas: a redução brutal dos custos unitários do trabalho e um volumoso programa de privatizações, ambos concorrendo para uma colossal redistribuição dos rendimentos nacionais em favor do capital e em desfavor do trabalho e para uma ainda maior concentração e centralização de capital.
4. Perante a evidência do desastre, não basta “identificar”, "lamentar" ou mesmo "deplorar" algumas das gravosas consequências dos programas UE/FMI, sobretudo quando não se põem em causa os próprios programas. Limitar as críticas à acção da troika à alegada desadequação dos multiplicadores utilizados na estimação da evolução de um conjunto de indicadores económicos, sem colocar em causa os fundamentos e objectivos dos memorandos de entendimento, é uma iniludível e confrangedora manifestação de comprometimento com o caminho seguido e de incapacidade para seguir um caminho diferente.
5. O problema da troika e o que "correu mal" nestes anos – do desemprego à profunda e persistente recessão, passando pela pobreza galopante, pelo encerramento de milhares de pequenas e médias empresas, pela emigração, as desigualdades, o aumento do peso da dívida, etc. – foi a própria existência do memorando de entendimento, que se confirmou como um autêntico pacto de agressão contra o país e o seu povo, um pacto de agressão subscrito por PS, PSD e CDS que agora se acotovelam para o “avaliar”.
6. Neste cenário, a solução não passa por mudar o nome à troika, ou por substituir o FMI por um Fundo Monetário Europeu (como sugerem os relatores) ou por qualquer outro mecanismo que mantenha as mesmas políticas. A solução passa pela ruptura definitiva com os programas UE/FMI e com as políticas e orientações que a eles presidem. Uma alteração que tenha como ponto de partida uma renegociação da dívida destes países – nos seus juros, prazos e montantes – e a indispensável recuperação de instrumentos de soberania (incluindo no plano monetário) que lhes permita uma recuperação das respectivas economias e a redução e inversão da dependência e subordinação crescentes para que foram remetidos, indissociáveis do enquadramento comunitário, do mercado comum, da UEM e insustentáveis constrangimentos que lhes estão associados e das demais políticas comuns. Esta é uma alteração que os relatores e os respectivos grupos políticos – onde se incluem PSD, CDS e PS – evidentemente não propõem, nem estão em condições de protagonizar.
7. Da mesma forma que Portugal e os portugueses não precisam de uma troika estrangeira que semeia a destruição, o desemprego e a pobreza, também não precisam de uma dita avaliação feita exclusivamente por aqueles que defendem as opções e orientações que presidem aos programas UE/FMI. Não precisam de uma suposta avaliação que, aparentando um distanciamento face às catastróficas consequências do Pacto de Agressão, visa defender e até propor a “naturalização” das políticas dos programas UE/FMI por outras vias, instrumentos e mecanismos no quadro do dito aprofundamento da União Económica e Monetária e do salto federalista em curso.
Os trabalhadores portugueses, os jovens, os reformados, pensionistas e idosos, os pequenos e médios empresários, os agricultores e todos os que, no dia-a-dia, sentem na pele as consequências do Pacto de Agressão das troikas são quem está em melhores condições de a avaliar. Essa avaliação está feita e o seu resultado bem claro na luta que percorre o país, pela exigência da demissão do governo e pelo fim do pacto de agressão, por uma política alternativa, patriótica e de esquerda, que projecte os valores de Abril no presente e no futuro de Portugal.
7 de janeiro de 2014
Gabinete de Imprensa do PCP