Mas é sobre o primeiro que hoje estendo o meu olhar até porque as reacções à decisão soberana da Bolívia trouxe ao espaço público algumas declarações que definem bem o carácter subserviente da União Europeia, dos governos de Espanha e do Brasil aos interesses dos grandes grupos económicos e à teologia do mercado. O Presidente Evo Morales, eleito democraticamente por uma maioria nunca antes alcançada por outro candidato, cumpriu um dos compromissos do seu programa eleitoral – dar cumprimento ao referendo vinculativo realizado em 18 de Julho de 2004 em que 92,2% dos bolivianos responderam sim, à pergunta: “Está de acordo com a recuperação de todos os hidrocarbonetos, à saída da jazida, para o estado boliviano?”.
As ameaças mais ou menos veladas feitas à Bolívia pelo Ministro das Relações Exteriores espanhol, pelo seu congénere brasileiro e por Javier Solana responsável pela política externa da União Europeia ao advertiram aquele país ibero-americano que a decisão tomada será “prejudicial para o futuro económico e político da Bolívia”, denota que estes responsáveis políticos, que não foram eleitos, estão ao serviço dos interesses das petrolíferas, no presente caso a já aludida REPSOL e a PETROBRAS, e que as decisões legítimas e soberanas de um país passam para um plano secundário quando os interesses das empresas privadas que rapinam os recursos naturais, que não os seus, são postos em causa. Ou seja, para os estes altos dignitários que se apressaram a vir contestar a decisão soberana da Bolívia, a legitimidade democrática do governo de Evo Morales mas, sobretudo, a perspectiva de que o povo boliviano possa usufruir dos proveitos dos seus recursos naturais não são relevantes, para eles o que é mesmo importante é a satisfação de interesses que também não são, propriamente, os interesses dos povos que dizem representar.
Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, 08 de Maio de 2006