“Somos mais pais do nosso futuro do que filhos do nosso passado.”
(Miguel de Unamuno)
Como tento fazer todos os anos, e este ano não foi excepção, fui
assistir às comemorações do 32º aniversário do 25 de Abril, o Dia da
Liberdade, a Revolução dos Cravos.
Na semana seguinte voltei às comemorações, desta vez as do 120º aniversário do 1º Maio, Dia do Trabalhador.
As palavras de Miguel de Unamuno martelaram na minha cabeça.
Saberemos das nossas responsabilidades com o futuro?
Os Trabalhadores de Maio, em luta por Abril, sabem-no de certeza!
Saberá o Primeiro-ministro, quando não diz a verdade e responsabiliza com as suas políticas, os trabalhadores pela falta de competitividade da economia portuguesa e da actual crise?
Saberão os economistas, que elaboraram os relatórios recentemente publicados da OCDE e do Banco de Portugal?
Saberão as vozes, que subiram de tom com a publicação destes relatórios, a reclamar mais cortes na despesa pública e mais flexibilidade no mercado de trabalho?
A adesão apressada e pouco estudada ao euro, esquecendo a situação real do País, tornou Portugal muito mais vulnerável e indefeso face a crises como a que está actualmente a enfrentar.
Portugal ao aderir à União Monetária, constituída apenas por 11 países dos 25 que constituem actualmente a União Europeia, a chamada “zona euro”, perdeu instrumentos importantes de politica macroeconómica.
A União Europeia passou a fixar ou a condicionar a politica do défice orçamental e dos grandes investimentos, assim como, a política cambial e a política das taxas de juro passaram para a competência do Banco Central Europeu. Portugal não tem qualquer poder na sua fixação.
A utilização desses importantes instrumentos de politica macroeconómica deixou de ter em conta os interesses e a situação de pequenos países como Portugal, e as crises que enfrentam, estando ao interesse dos grandes países. A crescente valorização do euro face ao dólar americano (já se valorizou em cerca de 30%), é exemplo disto.
A política de "euro forte" posta em prática pelo Banco Central Europeu tem contribuído para a perda de competitividade da Economia Portuguesa, porque torna os produtos portuguesas mais caros (+30%) para os clientes de países fora da União Europeia, e torna mais baratos os produtos dos nossos concorrentes asiáticos, como a China (concorrem no mesmo mercado, nos mesmo segmentos, com os produtos portugueses), que estão a invadir a União Europeia como consequência da liberalização selvagem que está a dominar a politica comunitária.
As consequências que decorrem do facto de Portugal pertencer à União Monetária é intencionalmente omitida nos relatórios quer do Banco de Portugal quer da OCDE, porque põem em causa as conclusões e a exigência das medidas apontadas.
A OCDE aponta como causa da perda de competitividade da Economia Portuguesa o facto de que as "empresas portuguesas têm mantido a sua especialização na produção de mercadorias tradicionais baseadas em trabalho intensivo (e naturalmente de baixo custo) e de baixo valor acrescentado, estando a perder os mercados para onde exportavam devido ao aparecimento de novos concorrentes com custos ainda mais baixos, como é a China".
Portugal não consegue alterar esta desigualdade, porque já não tem poder para alterar a taxa de câmbio, que é da competência exclusiva do Banco Central Europeu. A Inglaterra e outros, embora fazendo parte da União Europeia, não pertencem à União Monetária. Nestes países os interesses nacionais sobrepuseram-se a outros interesses. Em Portugal, o desejo de "ser bom aluno" e de "pertencer ao pelotão da frente", como na altura tanto se dizia, sobrepôs-se a qualquer análise objectiva da situação do País, um país pequeno e sem grandes recursos, e com um tecido económico e social extremamente frágil.
A consequência está à vista e está a ser paga a um preço muito elevado pelos portugueses e pela economia portuguesa. Portugal é o país com a repartição mais injusta da riqueza e do rendimento em toda a União Europeia. Segundo dados do Eurostat, em 2001, 20% da população portuguesa, isto é mais de 2.100.000 portugueses viviam abaixo do limiar da pobreza, ou seja, com menos de 300 euros por mês, tendo a situação, após 2001 piorado.
A mudança do padrão de especialização produtiva existente em Portugal exige muito investimento, que durante muitos anos não foi feito, sendo ainda mais difícil quando a politica do actual governo centrada na obsessão do défice está a determinar a quebra continuada do investimento (em 2006 o investimento público será inferior ao de 2005 em -27,8%), e exige também um aumento significativo quer do nível de escolaridade quer de qualificação da população empregada. De acordo com dados do INE, no fim de 2005, cerca de 72% da população empregada portuguesa tinha ainda o ensino básico ou menos.
"A melhoria da justiça social, o combate à pobreza e à exclusão exigem que o País volte a ganhar a batalha do investimento, do crescimento económico, da criação de riqueza."
Presidente da Republica na Sessão Solene na AR, 25.04.06
Afinal, senhor Presidente da Republica e senhor Primeiro-ministro, em que ficamos? Investimento ou obsessão do défice? Ou vamos esperar que o Plano de Inclusão Social e o "Complemento de solidariedade" poderão alterar efectivamente a grave injustiça na repartição da riqueza e do rendimento que existe em Portugal?
Patrícia Santos; IN Terra Nostra