Desde 1956, quando assinado, em desfavor dos interesses nacionais, o Código do Petróleo (Código Davenport) sob a presidência pró-norteamericana de Paz Estensoro, que o petróleo e o gás eram para a Bolívia um paradigma do desenvolvimento económico, cristalizando o sentimento nacional dos bolivianos em volta da recuperação do controlo das riquezas nacionais. Em 1969, sob a senda dos movimentos revolucionários que directa ou indirectamente a inspiração guevarista pan-americana e anti-imperialista promovera, é nacionalizada a Bolivian Gulf Oil Co. (sucursal da Gulf Oil norte-americana).
As suas instalações e edifícios são ocupados pelo exército em Outubro, sob o Governo do general Ovando, proclamando-se por essa ocasião, com fortes manifestações de rua, a Festa da Dignidade Nacional. Esta decisão histórica mereceu então um apoio praticamente unânime de todas as forças vivas bolivianas. Mas a correlação de forças de então no continente americano, passando pelas negras experiências do Chile e de Granada, retirou novamente aos bolivianos os direitos de exploração (em seu proveito) do petróleo e do gás do (seu) país, reduzindo-os à correlação actual de 18% dos lucros para a Bolívia e 82% para as companhias petrolíferas e de gás. Só rompido na Nicarágua, foi um período longo de opressão sem resposta pelo qual passou a maioria dos povos e países da América Latina. Eis que, com o afloramento das novas democracias latino-americanas, já a entrar para o século XXI, e com os Estados Unidos desguarnecendo a sua retaguarda e procurando cada vez mais longe (Iraque) a exploração dos recursos de outrem, um pequeno índio boliviano de nome Evo Morales, após a sua eleição para o cargo de Presidente da Bolívia, com toda a autoridade moral que a história boliviana lhe concedeu, mas também com a coragem necessária de Simon Bolívar, José Marti ou do “Che”, resolve repetir a façanha do general Ovando. De surpresa, como manda a táctica e a experiência, para não permitir ao adversário (muito mais forte) ter tempo para se organizar e fazer gorar a patriótica iniciativa...
Creio que nenhum boliviano de boa fé estará contra a decisão presidencial e, fora da Bolívia, ninguém terá legitimidade para a condenar a não ser o cartel das “7 Irmãs Bandidas” (nome pelo qual durante muito tempo foram conhecidas na América Latina as grandes petrolíferas mundiais), pois que, para além de um compromisso eleitoral anteriormente assumido, se trata tão simplesmente de colocar os recursos nacionais ao serviço de interesses económicos e sociais do seu país. Portanto o mundo não avança num só sentido. Naquele que, por ausência de riquezas naturais próprias, nos obriga em Portugal a permanecer debaixo da imposição do cartel (com a ajuda preciosa da chamada liberalização do preço dos combustíveis), vendo estes preços a subir todos os meses. Ou naquele em que o mesmo cartel vai fazendo abortar qualquer tentativa séria para impedir o investimento massivo em energias alternativas e menos poluentes que os combustíveis fósseis.
Mário Abrantes, In Jornal dos Açores, Ponta Delgada, 04 de MAio de 2006