Sendo uma medida socialmente justa, não deixa de ser uma “maçã envenenada “, que tem como efeito inebriar a “bela” com a bandeira do combate à pobreza e de que afinal este governo tem “coração” e moral. Este diploma regulamentar vem confirmar plenamente que estamos, certamente perante o direito à prestação mais complexa e burocrática, até hoje realizada por um Governo, quer no que toca aos termos e condições em que são considerados os rendimentos dos filhos dos requerentes e aos efeitos da recusa de apresentação de prova desses rendimentos por parte dos filhos, quer quanto à forma de apurar e fazer prova dos rendimentos dos próprios requerentes. Esta regulamentação (em conjunto com os próprios modelos de requerimento do complemento solidário, aprovados pela Portaria 98-A/2006, de 1 de Fevereiro) torna bem patente a extrema complexidade e a elevada burocratização dos processos de cálculo e atribuição desta prestação, que constituem por si só factor de dissuasão do recurso à mesma.
A prestação dirige-se a pessoas idosas, na 1ª fase com mais de 80 anos. Para aceder ao direito, os beneficiários irão ver-se confrontados com 5 requerimentos e vários anexos. Os idosos, mesmo vivendo totalmente independentes da família, para ter acesso a este complemento, terão de apresentar os rendimentos do agregado fiscal dos filhos, ou seja, se tiver 1 filho apresenta de um, se tiver 5 filhos ou mais, terá de apresentar de todos.
Não deixa ainda de ser chocante que o idoso seja obrigado a fazer uma declaração de disponibilidade para o exercício do direito a alimentos se os filhos se recusarem a apresentar os dados fiscais, e que tenha um prazo de 6 meses para accionar o processo judicial contra o filho ou filhos, sob pena de perder a prestação. Num País, onde o acesso à justiça não garante condições de igualdade mínima, penalizando quem menos tem, prolongar no tempo o acesso a um direito, para quem, o tempo já é escasso, é violento e cruel! Para não falar da violência emocional que se sujeita o idoso a tomar tal medida. Retirar qualidade de vida, a uma vida já sem qualidade e contribuir para uma ainda maior instabilidade familiar, é inqualificável! É este o preço a pagar em nome do rigor e transparência! Apesar, da satisfação expressa pelo Primeiro-Ministro com o facto de em apenas um mês, 57 mil pessoas terem sido atendidas sobre o Complemento Solidário para Idosos, 36 mil formulários terem sido distribuídos, 4.836 requerimentos terem sido recebidos e destes, 613 processos terem sido já aprovados, considerando assim “que esta prestação social não só é justa como é acessível – e isto sem prejuízo do rigor necessário na sua atribuição”. Segundo o Governo, o objectivo de tirar da pobreza 300 mil idosos é para cumprir ao longo desta legislatura até 2009. De acordo com os dados do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, a grande maioria (80 por cento) dos requerimentos já aprovados foram apresentados por mulheres (502 contra apenas 111 apresentados por homens). Mais de 70 por cento dos beneficiários (433 idosos) tem entre 80 e 84 anos, existindo 11 com mais de 95 anos. A grande maioria dos beneficiários (87 por cento) não tem filhos (não tendo de apresentar por isso os rendimentos do agregado fiscal dos mesmos) e 96 por cento recebem pensões da Segurança Social.
Fazendo bem as contas, 613 processos aprovados num universo de 300 mil idosos a viver abaixo do limiar da pobreza, significa que 2 em cada 1000 idosos, viram a sua situação contemplada. Fantástico! E isto tudo num mês! Imaginem só, se o processo fosse complexo e burocrático! A este ritmo, ao fim de 48 meses (4 anos de legislatura) veremos contemplados com o CSI, 96 idosos em cada 1000, ou seja não chega a 10 por cento dos que vivem exclusivamente ou fundamentalmente de pensões, de velhice e de sobrevivência, inferiores a 300 euros, sem poderem recorrer a outros rendimentos que lhes permitam uma vida condigna. São os mesmos que segundo o próprio Primeiro-Ministro “… os que mais precisam de ajuda e é para estes que vai – é para estes que tem que ir – a nossa preocupação principal.” É caso para dizer, segundo o dito popular “Cantas bem mas não me encantas”.
Patrícia Santos, IN Terra Nostra