A política hoje dominante, é a evolução radical das políticas de direita que, no essencial, o PSD e o PS praticaram no nosso País desde os anos 80. Foram, durante muitos anos, contrariadas, combatidas e anuladas, conquistas da Revolução Democrática; foi sendo mantido e reforçado um modelo económico assente em baixos salários e caracterizado por uma fortíssima exploração da força do trabalho; utilizou-se, de modo sempre crescente, o Estado e os seus recursos, para reforçar o grande capital e apoiar os grandes grupos económicos; desvalorizou-se permanentemente, em termos de orçamentos públicos, os serviços de saúde, educação e segurança social, que constituem encargos constitucionais do Estado; desviaram-se enormes recursos desses sectores essenciais para outros, para que certas iniciativas privadas saíssem reforçadas; inventaram-se "dogmas" que levaram à descabelada privatização de serviços, com manifesto e visível prejuízo da Administração Publica; realizaram-se privatizações criminosamente lesivas do interesse público; "inventaram-se" inúmeras formas de aumentar a divida pública, satisfazendo ao mesmo tempo clientelas particulares sempre mais ávidas; instalou-se um sistema generalizado de compadrios, interesses e jogos de domínio, montado de cima para baixo, sendo óbvio o aproveitamento pessoal de muitos ex-governantes; geriu-se mal, muitas vezes premeditadamente, departamentos, empresas públicas e sectores diversos, para depois se argumentar que são insustentáveis e têm que ser privatizados.
Com todo este manancial de políticas erradas, a divida publica foi crescendo, a partir de certa altura de modo descontrolado, os homens do poder, salvo algumas honrosas excepções, foram ficando bem da vida, as grandes fortunas transformaram-se em enormes fortunas e a vida das famílias e dos cidadãos comuns foi-se complicando cada vez mais.
Surge depois a progressiva desresponsabilização pública pelas políticas financeiras, entregues "à vontade dos mercados", instala-se a agiotagem sobre o serviço das dívidas soberanas, faz-se esta alteração de fundo com financiamento público e deixa-se que as economias mais fracas da zona euro entrem em estagnação e recessão.
Agora tenta-se aproveitar esta situação, que foi friamente criada para gerar mais acumulação de riqueza por uns poucos, para reformar, numa perspectiva profundamente reaccionária, a vida destas sociedades que, apesar de tudo, têm economias desenvolvidas.
Fala-se muito de quem são os responsáveis nacionais por esta situação e os actuais detentores do poder apontam Sócrates e o PS como únicos responsáveis. É certo que o anterior governo e os seus apoiantes têm enormes responsabilidades, como não é menos certo que as têm os governos de Santana Lopes, Durão Barroso, António Guterres e Cavaco Silva, para não ir mais atrás. É também certo que todos os que, por acção ou omissão, apoiaram a evolução da União Europeia, que se afastou e está a afastar muito de uma união de países soberanos, para ser um espaço dominado pelas economias mais fortes, têm enormíssimas responsabilidades em toda esta situação. Todos os que fizeram ou apoiaram as políticas de direita e todos os que, irresponsavelmente, deixaram que o País se hipotecasse ao domínio das maiores potências europeias, são os verdadeiros responsáveis da situação a que chegámos.
Perante tudo isto e com um governo que inclui vários "académicos neoliberais", ansiosos por aplicar os dogmas que estão na base da respectiva formação, aparece uma proposta de Orçamento de Estado que é uma brutalidade sem nome, nem classificação.
O radicalismo neoliberal que caracteriza esta política apresenta-se como triunfante e pretende, num espaço de tempo muito curto, promover um retrocesso civilizacional geral. Querem que nesse retrocesso se esvaiam direitos sociais e individuais, se crie uma impossibilidade prática de resposta popular e se reforcem os domínios do grande capital internacional e daqueles que o servem. Querem, com esse retrocesso, criar uma sociedade ainda com mais exploração e ainda com maior concentração do poder económico e político. Querem concretizar uma "globalização" que vai ao arrepio da natureza e potencialidade progressista de toda a enorme evolução científica e técnica que caracteriza o tempo em que vivemos. Querem impor, no presente e no futuro, graus de domínio do passado, que são incompatíveis com a dignidade humana, conscientemente interiorizada por uma parte da Humanidade.
A proposta de Orçamento de Estado para 2012, com os seus cortes brutais, associados a muitas medidas avulsas que têm vindo a ser tomadas, tocam em cheio na vida de trabalhadores, reformados, micro, pequenos e médios empresários e trabalhadores independentes e empurram milhares e milhares de famílias para situações dramáticas. Os jovens são tratados, com esta política, abaixo de cão. Os reformados em geral e em especial a grande maioria de reformados com pensões modestas, pequenas e muito pequenas, são encarados como um peso morto da sociedade.
Para este Governo tem que ser o Povo a pagar os erros cometidos, as desonestidades instaladas, os aproveitamentos consentidos. O Povo tem que pagar e com esse pagamento, nos termos em que é exigido, pretende-se reforçar mais e mais o poder dos dominadores.
O "grande argumento" que todos os dias é atirado para cima dos portugueses da parte do poder e dos seus apoiantes é o de que tem que ser assim porque não há alternativa! Perante isto pergunto: Desistimos de ser um País independente? Desistimos de exigir uma distribuição mais justa da riqueza criada? Desistimos da Democracia e aceitamos que sejam "os mercados" e os seus funcionários a governar o nosso País e as nossas vidas? Desistimos de viver de acordo com os padrões de qualidade compatíveis com os níveis técnicos e científicos de hoje? Desistimos de contribuir para o progresso da Humanidade?
Em resposta a esse "grande argumento" afirmo, com toda a convicção, que há alternativa e que essa alternativa depende de todos nós. Ponha-se de parte a intenção de destruir as evoluções sociais do século XX; respeite-se o valor decisivo do trabalho; incentive-se a economia, dinamizando os sectores privado, público e cooperativo; combata-se de forma firme e convicta todas as formas de corrupção, compadrio e aproveitamento; cumpra-se integralmente o espírito e a letra da Constituição da Republica Portuguesa; exija-se que a União Europeia seja, efectivamente, uma união de Estados Soberanos e não um espaço dirigido pelos interesses económicos, financeiros e ideológicos dos países mais poderosos; e, então, ver-se-á que não só há alternativa, como ela é indispensável.
De imediato e face à situação actual é essencial que o País assuma que este "acordo" com a troika não pode ser cumprido, com estes termos e estes prazos e que o Orçamento para 2012, tal como está proposto, não leva a nada, a não ser ao empobrecimento da maioria dos cidadãos, ao gravíssimo enfraquecimento da economia, ao aumento do desemprego e ao crescimento dramático de todos os problemas sociais.
Assim só há um caminho: recusar esta política e construir outro percurso para o País! Para isso há que lutar, com firmeza e convicção.
Artigo de opinião de José Decq Mota, em 19 de Outubro de 2011