Para onde quer que nos viremos à procura dos (hoje) habituais pequenos confortos e lazeres diários, indispensáveis à continuidade de um bom desempenho profissional (no caso de quem trabalha) e imprescindíveis ao mínimo de qualidade de vida (alcançado pelo esforço e empenhamento dos que para isso se sacrificaram em gerações anteriores), não vemos forma de os conseguir preservar. Chegou, sem dúvida, o tempo dos novos sacrifícios para as actuais gerações de portugueses. Ou porque tais sacrifícios, mesmo inúteis, lhes estão sendo impostos em sucessão cada vez mais inquietante e incómoda, ou porque, para tentar contrariá-los e suplantá-los, se vai tornando necessário afectar à acção cívica algumas horas anteriormente dedicadas à descontração individual ou familiar…
Poder-se-ia ter evitado chegar onde se chegou. Bastaria que uns tantos eleitores (que nem sequer são a maioria) descontentes com uns, os não tivessem trocado por irmãos mais radicais, e rivais de facto, mas só no tamanho e densidade das mentiras que utilizaram para os aliciar. Bastaria sobretudo que o conforto e lazer diários de tantos outros tivessem sido momentaneamente interrompidos para se dirigirem a uma mesa de voto, em lugar de se absterem.
Mas assim não foi. E porque as dores aumentam de dia para dia, da medicina preventiva passa-se agora à curativa e paliativa, pois, para os próprios médicos a cujos cuidados a nossa Democracia se entregou, afinal a doença é dolorosa, prolongada e vaga a esperança de cura.
Esta proposta de Orçamento de Estado para 2012, que tem 99,999% de probabilidades de ser viabilizada pelo PS (César criticou justamente o Presidente da República, mas esqueceu-se de José Seguro), é uma verdadeira declaração de guerra a todo um povo, contendo em si medidas que já roçam a ofensa aos Direitos Humanos (como aquela de cortar as comparticipações dos medicamentos às pensões de sobrevivência) em nome de uma dívida que alguém contraiu, mas não se sabe (nem se pretende saber) bem quem, e em nome de metas inalcançáveis (como se vai verificando ano após ano) para a diminuição do défice público.
Após o primeiro assalto de 2011 (para evitar o pior, diziam), o pior veio de imediato, para 2012. Cada buraco cria um novo, cada vez menos credível, cada vez mais profundo (boas razões tem o sr. Bispo D. Januário para desconfiar). Ao segundo assalto (que não será provavelmente o último) a maior quantia a sacar pelo governo da coligação PSD/CDS (os tais que diziam que isso nunca, e que era preciso era cortar na despesa), vai sair de um imposto indirecto e cego: o IVA. A esta quantia dever-se-á juntar 1.700 milhões sacados aos pensionistas e reformados, mais 950 milhões sacados aos subsídios de férias e de Natal, não só dos “milionários” da função pública (os que ganham mais de mil, entenda-se), como aos subsídios de todos os outros. A menor quantia vai para os mais ricos (neste caso sempre a título de solidariedade, claro), os quais são desafiados a contribuírem para a crise com uma esmola de 200 milhões, através do IRC e do novo escalão do IRS. Os dividendos, juros ou mais-valias, esses ficam bem resguardados das graves intempéries que os respectivos detentores tão impunemente semearam. E a banca, essa é para recapitalizar com boa fatia do produto do assalto generalizado aos cidadãos…
Os indignados indignaram-se, um partido saiu à rua clamando justiça, e uma Greve Geral está marcada. Outras expressões de descontentamento colectivo acontecem e se desenham. Pois seja! A cada novo buraco, cada novo sacrifício, e de uma maneira ou de outra, se não nos sacrificarmos, sacrificam-nos…
Artigo de opinião de Mário Abrantes, em 19/10/2011