António José Seguro constitui um exemplo perfeito do esvaziamento da ideologia na intervenção política quando, aprofundando o alcance da colocação do socialismo numa gaveta, provisoriamente decretado por Mário Soares em 1975, demonstra hoje à saciedade que o divórcio entre a ideologia e a prática da direcção do PS de provisório nada tem, antes pelo contrário!
Devido aos graves e injustos atentados aos interesses dos trabalhadores e do povo que ele consubstancia, António José Seguro ficou em “estado de choque” face à proposta de Orçamento de Estado do troikista Governo neo-liberal do PSD/CDS. Mas António José Seguro aventou, logo de imediato, que o PS teria de se abster na sua votação (e se a coligação PSD/CDS não tivesse maioria absoluta na Assembleia da República, até teria de votar a favor) porque, segundo ele, “os interesses de Portugal estão primeiro”! Em conclusão, para o impagável Seguro, os interesses dos trabalhadores e do povo português são contraditórios com os interesses de Portugal, os quais por sua vez são defendidos em Orçamento de Estado pelo troikista Governo neo-liberal do PSD/CDS. Para completar o arranjo, apetece dizer, como Brecht: Não seria melhor então o governo, mais o seu chocado apoiante do PS, dissolverem o POVO e elegerem outro?
Estou de acordo com a acusação que Nuno Tomé (em artigo de opinião no A. Oriental de 2ª feira passada) faz aos “políticos de palha” da sua própria área política, pelo abandono a que votaram a ideologia, considerando ser essa a causa de a Democracia se encontrar refém da economia. Ele, atestando com isso a inutilidade da acção política de um PS ideologicamente vazio, afirma até, referindo-se à troika e à Grécia, que: “Quem julga que será possível a qualquer Estado democrático (direi eu, tal como em Portugal) cumprir um compromisso com tanto impacto na vida das pessoas, contra a vontade da maioria do povo, ainda não percebeu a essência da democracia.”
Certo é que abandonando definitivamente a ideologia, o PS entregou o rumo do país a uma outra ideologia: aquela que nega a essência da democracia e que defende a sobreposição absoluta dos interesses mercantilistas e financeiros transnacionais aos interesses das pessoas.
Por estas ilhas, por mais que a líder do PSD nos Açores se afadigue a tentar fazer passar a ideia social-democratizante que o orçamento regional vai arranjar emprego, saúde e médicos de família para todos, vai alimentar empresas da construção civil, Casas do Povo, whale watching, televisão, escolas de formação profissional, e o que mais irá ser objecto de visita eleitoralista próxima, o certo é que, nas circunstâncias actuais, com excepção de uma ou outra tímida oposição de Mota Amaral ao centralismo em crescendo, isso vale tanto como o choque de Seguro. Com o PSD no poder regional, a Autonomia (a democracia nos Açores) ficará desarmada e será simplesmente cilindrada pela ideologia e pela prática do actual poder central…
Mas certo é também que, apesar de algumas posições autonomistas que tem assumido e dos afrontamentos circunstanciais àquele poder cega e perigosamente centralizante, o PS nos Açores decidiu voluntariamente (nada o obrigava a fazê-lo), aprovar, juntamente com o PSD a proposta de Orçamento de Estado na Comissão de Economia do parlamento açoriano e, mesmo antes da aprovação nacional da mesma medida que pôs António José Seguro em estado de choque, retirar do Orçamento Regional, por sua própria iniciativa, o 13º e 14ºmeses de salário dos funcionários da Administração Regional...
Nos Açores e no âmbito dos “partidos com vocação governamental”, estará também, como opina Nuno Tomé, “o rating dos políticos a ficar ao nível do da dívida da Grécia”?
Artigo de opinião de Mário Abrantes, publicado em 9 de Novembro de 2011