Os rituais sejam comemorativos ou, simplesmente, de rotinas diárias
constituem um factor importante, senão mesmo determinante, na
construção da identidade e memória colectiva das comunidades e dos
povos.
Os rituais comemorativos estão, geralmente, associados a ciclos
naturais (mudança das estações do ano), a calendários religiosos ou a
mitos.
Podemos discordar, ou não, dos princípios que estão na génese de alguns dos rituais comemorativos que enformam a cultura das comunidades e povos. Podemos até discordar da prática de alguns rituais mas é, no entanto, inegável que é através deles que se identificam e diferenciam culturalmente os grupos humanos. Os rituais são como que um bilhete de identidade da diversidade cultural que caracteriza a humanidade.
A cultura tem, tal como outras manifestações e realizações do homem, servido para submeter grupos humanos. O domínio de um grupo humano sobre outros grupos humanos pode caracterizar-se pela acentuação das diferenças – assim se justificou a escravatura e o colonialismo – ou, então, pela assimilação e padronização cultural – característica da sociedade de consumo. A cultura que, em determinado momento histórico, é dominante impõe, acentuando as diferenças ou estimulando a assimilação, os seus padrões culturais e ideológicos.
O fenómeno de globalização que caracteriza a contemporaneidade favorece, claramente, a assimilação cultural. A denominada civilização ocidental é tida como uma referência e modelo, incontestáveis, de desenvolvimento económico e de bem-estar. E, se esta é uma verdade insofismável, não é menos verdade que este desenvolvimento e bem-estar foram, e são, conseguidos pela submissão cultural e económica de outras sociedades.
Do século XV até meados do século XX a prosperidade ocidental advinha de um domínio que se estruturava na “superioridade” de uma cultura sobre outras e que cultivava a separação e a segregação dos indivíduos e das culturas.
O fim da II Guerra Mundial e o processo de descolonização que se lhe seguiu levou ao reconhecimento e aceitação, internacional, de um Mundo de culturas.
Um Mundo culturalmente diversificado e liberto da “hierarquização” cultural punha em causa o crescimento e o bem-estar de quem economicamente continuava a dominar. O caminho que se seguiu é o que todos conhecemos: a uniformização dos padrões culturais, segundo os “valores” ocidentais. A assimilação cultural assume-se, assim, como uma vantagem económica. Quanto mais expandidos e padronizados estiverem os hábitos culturais e de consumo maior escala se dá aos mercados.
Que melhor exemplo do que um dos aspectos mais “sui generis” da cultura das comunidades e dos povos – a alimentação.
O abandono, por um elevado número de famílias portuguesas, de hábitos alimentares tradicionais considerados, pelos especialistas em nutrição humana, equilibrados e ajustados às nossas necessidades calóricas, em detrimento de uma dieta alimentar importada, padronizada e desequilibrada nutricionalmente, é um exemplo do quanto pode ser perniciosa a assimilação cultural, particularmente,
quando associada a cegos interesses económicos. Não é por acaso que a obesidade e as doenças do aparelho digestivo aumentaram para o nível de preocupação nacional.
A música é, também, um exemplo paradigmático da uniformização cultural a que a sociedade global nos submete utilizando o poder, neste como noutros exemplos, dos meios de comunicação de massas. Há outros músicos e músicas para além da MTV.
Não quero transformar esta reflexão em mera retórica identitária, no entanto, e reconhecendo que os contextos sociais e históricos evoluem e que a globalização não tem, forçosamente, de ter apenas aspectos negativos quero deixar-vos com a constatação de um facto – esta semana o calendário da identidade e da memória açoriana assinalou o ritual comemorativo do “Pão por Deus”, o calendário comercial celebrou “o Dia das Bruxas”.
Aníbal C. Pires em “Olhares”
No Açoriano Oriental em4/11 /05