2.ª, 3.ª, … geração

anibal_pires.jpgAs palavras, mais do que os conceitos, são por vezes, ainda que sem esse objectivo (e quero acreditar que sim), geradoras de efeitos que alimentam estigmas e discriminação. As sociedades contemporâneas são visivelmente caracterizadas pela multiculturalidade, embora a diversidade cultural não seja um aspecto apenas do nosso tempo.

Mesmo nos grupos humanos que, por diferentes motivos, possam ser considerados culturalmente mais homogéneos. A dimensão multicultural acompanha a evolução e a história da humanidade. A sua actualidade e visibilidade, contemporânea, resultam em grande medida da dimensão global das migrações que marca a contemporaneidade Mas voltemos às palavras e aos conceitos e ao que a falta de rigor ou, talvez seja mais correcto assim, aos necessários “upgrades” de que o discurso científico necessita porque deles se apropria a rotina e a linguagem política dos decisores para justificar medidas que nem sempre correspondem às melhores práticas. Em Portugal a lei da nacionalidade foi este ano objecto de alterações. Das modificações que lhe foram introduzidas o governo português continua a propagandear que, ao contrário da maioria dos países europeus, o nosso país segue, também aqui, no “pelotão da frente”. E funda esta afirmação no facto de a nova lei permitir que a “3.ª geração de imigrantes” aceda à nacionalidade portuguesa, mas a lei vai ainda mais longe porque permite, também, à “2.ª geração de imigrantes”, aqui com muitas limitações, o acesso à nacionalidade.

Mas, e a questão é esta: Quem são os indivíduos da “2.ª e 3.ª geração de imigrantes”?, No qual o discurso da comunidade académica insiste e de cujo discurso os decisores políticos se apropriam para justificar os notáveis “avanços” no quadro legal da imigração em Portugal. Bem, os cidadãos que a linguagem académica teima, erroneamente em designar por “2.ª, 3.ª gerações de imigrantes” não são mais do que os filhos e os netos dos imigrantes nascidos no nosso país. Mas, se estes cidadãos aqui nasceram não imigraram!? Porquê, então, falar de “2.ª e 3.ª geração de imigrantes” quando na realidade nos estamos a referir, não a vagas sucessivas de imigrantes mas aos seus descendentes nascidos em Portugal o que só por si já diferencia estes cidadãos e, como sabemos, a diferença que estigmatiza e discrimina não se reduz ao véu islâmico ou ao corpo negro. A diferença que estigmatiza e discrimina também se funda no sucesso económico dos indivíduos, no género, na deficiência, nas opções sexuais, no…, …, … A prevalência na lei da nacionalidade do princípio do “Jus sanguinis” sobre o “Jus solis” em nome de uma suposta estratégia para evitar fluxos de imigração ilegal não é aceitável e, diria mesmo, é intelectualmente desonesta. A imigração ilegal combate-se na origem e os custos sociais e humanos que esta e outras opções políticas provocaram, provocam e provocarão na sociedade portuguesa são incomensuráveis.

Aníbal Pires em “Desenvolvimento” no Jornal a União no dia 11 de Outubro de 2006