Manobras de diversão

Mário AbrantesArtigo de opinião de Mário Abrantes

Com vista sobretudo a preservar as atuais políticas determinantes do rumo do país, está constituído um exército de agentes difusores do contorno e distorção da realidade que, utilizando os imensos meios políticos (governo, presidente e maioria parlamentar), financeiros e comunicacionais de que dispõe, prepara já com afinco o embate das próximas eleições legislativas.

Na verdade, perante uma realidade adversa à permanência no poder dos seus atuais detentores, permitindo augurar uma derrota eleitoral profunda da coligação PSD/CDS, mas também um resultado do PS condizente com a debilidade e incoerência das alternativas que apresenta, isto é, aquém das ambições de António Costa, do que se trata agora é de procurar a qualquer preço, com muita manobra, muita demagogia e muita propaganda, desenhar um cenário pré-eleitoral que melhore artificialmente as posições de cada um destes três partidos aos olhos dos eleitores impedindo-os de pensar sequer por um momento na viabilidade de opções que fujam dum quadro de poder dominado pelos subscritores do memorando, da continuidade das políticas da troika e do Tratado Orçamental da UE.

 

É nesse sentido que apontam todos aqueles que, comentando as sondagens, se referem aos valores da coligação PSD/CDS como “próximos” dos do PS, fabricando assim uma grosseira e falsa bipolarização onde se esconde o que de importante para a correlação de forças na futura Assembleia da República podem significar os resultados obtidos pelos restantes partidos, e onde se escamoteia que o PSD está hoje confrontado com valores próximos dos mais reduzidos na sua história eleitoral (de 38,6% em 2011 passa para o máximo de 28% nas sondagens) e que o CDS igualmente vem por aí abaixo (de 11,7% em 2011 passa para o máximo de 6% nas sondagens).

É também nesse sentido que o pseudo-adivinho Marques Mendes se empoleirou a predizer que o próximo Presidente da República será Marcelo Rebelo de Sousa ou António Guterres, matando assim dois coelhos de uma cajadada só: Enquanto agita a destempo, por cima das legislativas, a cenoura das presidenciais, para distrair do julgamento (e condenação) do governo PSD/CDS o eleitorado infernizado pelas suas gravosas políticas, sustenta em simultâneo, a nível personalista e livre de pecados, a hipotética e conveniente bipolarização entre um “simpático” PSD e um “santificado” PS.

É nesse sentido ainda que o Presidente da República, por trás de uma linguagem infundadamente otimista sobre o crescimento económico, se desmascara literalmente na sua visita a França assumindo-se, com a cumplicidade de Hollande, como correligionário afoito do FMI e patrono das políticas ultraliberais do governo PSD/CDS. Possuído por tiques dinásticos, depois de perfilar o seu sucessor na semana passada, achou por bem ir agora mais longe na parola aleivosia traçando o perfil imperativo do próximo governo, o qual, segundo ele, deverá ter exclusivamente em conta a competitividade e as reformas estruturais (que têm por alvo os mesmos do costume) e concluindo que o “rumo do país não pode mudar, venha o governo que vier”.

Pois então a despesa com a saúde dos portugueses que continue a baixar (segundo a OMS já vai em 20% menos, por cabeça, que a média da UE), os salários a diminuir, a desregulação laboral e os cortes nas prestações sociais a prosseguirem, o número de desempregados sem subsídio ou as crianças sem abono a aumentarem, o número de jovens deprimidos ou emigrantes a crescer, porque o “rumo do país não pode mudar, venha o governo que vier” e “as reformas estruturais têm de continuar”…com muita manobra de diversão à mistura, está bem de ver, e que se impõe desmascarar uma atrás da outra, até ao ato eleitoral, com paciência e determinação.