"Porque os grandes, ao verem que não podem resistir ao povo, começam a criar fama a um dos seus, e elegem-no príncipe para, à sua sombra, poderem satisfazer o seu desejo." (Nicolau Maquiavel)
Ocorreu socorrer-me de algo escrito há mais de 500 anos por quem muito bem conheceu as malhas e os enredos do poder para encontrar um testemunho histórico que ajuda a interpretar e classificar o essencial daquilo que se passou nas eleições presidenciais do passado domingo.
Efetivamente o sinal de cansaço e de progressiva aversão popular a uma governação austeritária e prepotente que já se sentia antes e que foi confirmado pelos resultados eleitorais de outubro de 2015, levou "os grandes" deste país, em jogada de antecipação ao aparecimento de um possível movimento genuinamente popular em redor das presidenciais e utilizando o seu poderoso domínio nos órgãos da comunicação social, a concentrar esforços na imposição ao eleitorado da figura cativadora, simpática e populista de "um dos seus" para, dessa forma poderem continuar, como muito justamente conclui Maquiavel, a "satisfazer os seus desejos"...
E assim nasce uma candidatura que, em oposição a 9 outras pouco conhecidas, pouco difundidas e lançadas naturalmente a partir do 0, parte para a corrida presidencial a partir dos 100% de popularidade televisiva acumulada e publicitada durante anos, sendo, além de apoiada pelo PSD e pelo CDS, lançada de forma despudorada pela TVI em ostensivo e sobranceiro rompimento com as regras da isenção informativa e, de seguida, igualmente suportada de forma privilegiada por outros órgãos de comunicação social, incluindo públicos, como sejam a SIC, a RTP, o Correio da Manhã, a TSF, o Diário de Notícias, o Expresso, o Sol e O Observador.
Foi-se alimentando assim dia após dia, em período eleitoral, a presença esmagadora do candidato e a certeza de vitória antecipada para Rebelo de Sousa. Neste frenesim, tudo valeu, até (sinais dos tempos?) enveredar pelo discurso anti-austeritário e social. Mas nada de saber-se, para lá da simpatia do quase-presidente, o que realmente defenderia em caso de eleição.
Não obstante este apoio esmagador, Marcelo descia dos seus 100% iniciais, perdendo velocidade cada vez que se confrontava com os adversários e acabando com 52%. Somente em dois casos, o de Marisa Matias, em parte devido à "queda" de Maria de Belém, e o de Sampaio da Nóvoa, entrando pela área da CDU, foi possível apurar algum crescimento na campanha, mas basicamente o que aconteceu, graças à imposição mediática generalizada do vencedor antecipado, foi a descrença de muitos na vitória de qualquer outro candidato, e portanto o engrossar da abstenção (a maior de sempre à primeira volta). Aqui nos Açores atingiu mais de 69%, isto é, enquanto Marcelo recebia 39.000 votos, ela chegou aos 157.000! No país, Marcelo recebia 2,4 milhões de votos, mas a abstenção saltava para o dobro, e outros 2,2 milhões votaram contra ele...
Nenhum motivo há portanto para grandes euforias democráticas relativamente ao resultado das presidenciais. Nem da parte dos que intoxicados pela nuvem mediática acabaram resignados com a vitória antecipada do candidato da direita, nem da parte dos que ativamente se opuseram a essa candidatura e viram os seus esforços defraudados.
Uma certeza porém, o resultado destas eleições não legitima de forma alguma quem quer tencione utilizá-lo para materializar uma reviravolta com vista à reposição da ordem política derrotada nas últimas legislativas.
Artigo de opinião de Mário Abrantes