A Assembleia da República foi dignificada durante o último mandato, tendo desempenhado um papel relevante e muitas vezes determinante na cena política portuguesa nomeadamente no respeitante à reposição e restauração de direitos, à definição das políticas de rendimentos, e às políticas sociais em geral, situação que há muito não acontecia devido às maiorias absolutas que anteriormente se foram formando com a direita ou com o PS, quer sozinho, quer com ela aliado, as quais privilegiaram a governamentalização do regime remetendo o parlamento para um papel subsidiário.
Na verdade nunca uma maioria absoluta na Assembleia da República onde pontificassem ora o PS, ora o PSD, trazendo o CDS a reboque e marginalizando os partidos mais à esquerda, tinha dado passos relevantes no sentido que foi possível dar nos últimos 4 anos: Travar a degradação imposta pelas políticas de direita na vertente dos direitos e dos rendimentos da esmagadora maioria dos portugueses e permitir ao país voltar a andar para a frente. Certo é que tal se deveu às circunstâncias em que o PS se viu instado (pela abertura demonstrada pelo PCP) a governar, tornando possível constituírem-se maiorias para introduzir muitas medidas de política por iniciativa do PCP, do BE e do PEV, para além das do programa do PS, que contribuíram significativamente para melhorar as condições de vida e os rendimentos dos portugueses. Isto apesar de o líder parlamentar do PS, Carlos César, lamentar as dificuldades que aqueles partidos terão criado ao seu governo durante o exercício do mandato. O facto de o PS manifestar agora o desejo de se ver livre dessas “dificuldades” por via da hipotética obtenção de uma maioria absoluta de deputados em outubro próximo, diz bem das dificuldades (reais) e dos recuos a que o povo e o país ficariam novamente sujeitos se tal acontecesse.
Mas, por outro lado, a Assembleia da República continuou a ver a sua credibilidade e prestígio feridos devido a comportamentos irregulares, antiéticos, e mesmo de caráter corrupto, adotados por deputados ou grupos políticos: Deputados que transitam do parlamento diretamente para a administração de grandes empresas ou bancos. Grupos políticos que, contra a vontade de outros, defendem o aumento do financiamento dos partidos e a continuidade das subvenções vitalícias. Deputados que, ao contrário de outros, dão a morada da casa onde não vivem ou que recebem viagens a dobrar. Deputados acomodados aos rendimentos que auferem enquanto outros (neste caso só de um grupo político) optam por não receber nem mais nem menos do que os rendimentos que auferiam na vida profissional. Deputados que apenas votam e por vezes nem isso, enquanto outros vão ao terreno e prestam contas do seu trabalho.
As escolhas para outubro devem naturalmente ter em linha de conta estes comportamentos, bem como os grupos políticos donde eles provêm. Mas não se devem ficar só por aqui sob risco de deixar para segundo plano as opções estratégicas com que o país se confronta: Escolher o país ou consumir cem mil milhões de euros em 15 anos numa dívida pública insustentável e subordiná-lo em absoluto às determinações comunitárias. Escolher o serviço de saúde como direito universal ou escolher o negócio da saúde e gastar 470 milhões de euros nas PPP em 2018 e mais 17 mil milhões para financiar a banca desde 2007. Escolher o controlo publico das empresas e serviços estratégicos, começando pelos CTT, ou continuar a privatizar. Escolher a reposição dos direitos laborais ou continuar a legislar para acentuar a exploração e a precariedade. Escolher os aumentos salariais no setor público e privado, prosseguindo no caminho do aumento justo do salário mínimo, ou continuar com as políticas de baixos salários. Prosseguir o caminho do aumento legítimo das pensões ou regressar às políticas do seu congelamento. Reduzir os impostos sobre o trabalho e tributar mais os grandes lucros ou acentuar o fosso entre ricos e pobres.
Escolhas para as quais vai ser necessária a coragem de votar, em lugar duma outra escolha (mais fácil): o refúgio da abstenção…
Artigo de opinião da autoria de Mário Abrantes