De acordo com a edição do dia 26 de julho deste ano do jornal Público, a corrida aos créditos bancários por parte de estudantes do Ensino Superior em Portugal atingiu 5.5 milhões de euros nos últimos seis meses.
Para chegarmos a este ponto, há que ter em conta vários aspetos relativos à verdadeira intentona de que a Educação em Portugal tem sido alvo nas últimas três décadas: quando é que esta se iniciou; quais foram os seus principais prejudicados; causas e efeitos desta; e, por último, como é que podemos dar a volta a esta situação.
Para começar, é preciso lembrar que o desinvestimento no Ensino Superior, em Portugal, vem no seguimento daquela que tem sido uma das principais metas – para não dizer a principal – dos sucessivos governos desde a década 90: a desvalorização de todos os serviços públicos. Em vez de termos as habituais longas listas de espera nos Centros de Saúde ou Hospitais, temos outras listas, neste caso compostas por gente que procura emancipar-se individual e coletivamente através do mecanismo de formação superior. Trata-se em muitos casos de pessoas que não têm disponibilidade económica para tal, apesar de terem aspirações, interesse e, quem sabe, mérito ou talento.
Diz-se que os Serviços de Ação Social Escolar são suficientes para lhes garantir o acesso aos estudos superiores. Isto não passa de uma pura mentira. Veja-se, por exemplo, a dificuldade que estes serviços têm em atender todos os aspirantes a estudantes universitários; a limitação que foi imposta ao acesso aos apoios diretos e, entre muitos flagelos, a longa demora que muitos jovens têm de ultrapassar até que a bolsa de estudos caia na sua conta bancária (há casos em que o ano lectivo já vai a meio sem que um único tostão tenha entrado).
Mas o problema não acaba por aqui. Uma das consequências da política de direita para o Ensino Superior Público foi a implementação de taxas e emolumentos que, logo à partida, trazem novos constrangimentos. Por exemplo, um aluno que esteja a concorrer a uma licenciatura qualquer, numa Universidade Pública qualquer, antes de avançar para a fase final da sua candidatura é obrigado a pagar cerca de 100 euros sem ter a certeza de que a sua candidatura será aprovada, e, caso esta não o seja aprovada, não terá direito a reembolso.
Com base no Relatório CESTES 2, que nos dá a conhecer os Custos dos Estudantes do Ensino Superior Português, o valor da frequência neste tipo de ensino ronda os 6000 euros anuais. Se fizermos as contas à carteira de um jovem que aufere o salário mínimo nacional e que pretenda frequentar o Ensino Superior, 10 meses do seu rendimento terão de ser totalmente gastos nos estudos. Escusado será dizer que esta situação é ainda pior no caso dos alunos deslocados e com baixos recursos financeiros.
Mesmo parecendo que o assunto aqui exposto diga respeito somente ao caso do Ensino Superior em Portugal Continental, os jovens açorianos que pretendam frequentar
a Universidade dos Açores passam por situações semelhantes, ou talvez até mais constrangedoras. A título de exemplo, um jovem micaelense que resida na freguesia da Ponta Garça, concelho de Vila Franca do Campo (uma zona ainda relativamente próxima de Ponta Delgada, se comparada com concelhos como a Povoação ou o Nordeste), os números são ainda mais revoltantes: considerando exclusivamente os custos que terá com transportes públicos, deverá dispor de 90 euros mensais. Se for um aluno deslocado de outra ilha, o seu orçamento familiar deverá fazer face a custos extraordinariamente elevados de transporte, habitação e alimentação.
Por último, há um outro factor importante, senão mesmo o mais importante, que explica porque cada vez menos alunos ingressam nas Universidades portuguesas, e porque cada vez mais deixam o seu percurso a meio: o regime de propinas. As propinas foram implementadas de forma em nada inocente. Foi pela mão de um governo do PSD que este tipo de sistema foi imposto aos jovens portugueses. A escolha do termo “imposto” tem várias razões. Primeiro, não havia qualquer referência a este sistema nem no programa eleitoral do partido que venceu as eleições com maioria absoluta, nem no próprio Programa do Governo. Segundo, em ambos os casos, quer o Conselho Nacional de Educação, quer as Associações de Estudantes não foram auscultadas. Por último, e ao contrário daquilo que os seus principais autores defendiam, o regime de propinas não promoveu qualquer melhoria na qualidade de ensino nem no aproveitamento académico. Quanto à ação social escolar, esta continua a não dar resposta às reais dificuldades que o Ensino Superior atualmente cria.
É este percurso de clara elitização do Ensino Superior que obriga a que os jovens tenham de comprometer o seu futuro recorrendo a empréstimos bancários de "garantia mútua". A classe política dominante esquece-se que um País que não promova a construção de um conhecimento científico e técnico sólido e devidamente estruturado, jamais conseguirá avançar no seu desenvolvimento soberano e independente.
Para acabar com toda esta negociata milionária em torno do Ensino Superior, existe um conjunto de medidas que deveriam ser implementadas o quanto antes, para garantir a plena concretização do artigo 74.º da nossa Constituição, segundo o qual o Estado Português deve ‘’estabelecer progressivamente a gratuitidade de todos os graus de ensino’’: abolição do regime de propinas; eliminação de todas as taxas e emolumentos; aumento do valor das bolsas de estudo; aumento do investimento em todos os estabelecimentos de Ensino Superior (talvez as mais urgentes entre muitas outras). E há ainda um passo a dar, que é da máxima importância: o fim do processo de privatização das Universidades públicas através da criação de Fundações de direito privado. É sobre estas propostas, e não com base em operações de cosmética política, que se irá avaliar a intenção dos partidos do costume (PS, PSD e CDS) de salvarem ou não a Universidade Pública.
Artigo de opinião da autoria de João Almeida, membro da DORAA do PCP