Claro que luta continua

jose_decq_motta.jpg1. O desaparecimento recente de figuras nacionais como o General Vasco Gonçalves e o Dr. Álvaro Cunhal trouxe para o primeiro plano da reflexão colectiva a questão central da luta pela transformação justa da sociedade.

Todos sabemos que aqueles que proclamam “o fim das ideias e das ideologias “são sempre aqueles que querem perpetuar os domínios e as injustiças. Todos sabemos que aqueles que querem contribuir para a transformação social num sentido da dignificação de ser humano são os que, necessariamente, se entregam a essa luta colectiva de forma profunda e desinteressada. O derrube do regime fascista em 25 de Abril de 1974 foi um momento transformador essencial da vida do nosso País. Abriu as portas da democracia, da liberdade, dos direitos sociais, da justiça social, do desenvolvimento económico de todo o País. Abriu as portas da democracia, da liberdade, dos direitos sociais, da justiça social, do desenvolvimento económico de todo o País. Pôs termo a uma guerra colonial totalmente injusta para os povos das colónias e para o povo português. Permitiu a consagração constitucional de conquistas civilizacionais que a direita fascista no poder recusava ao nosso Povo.

Os passos dados foram historicamente essenciais, muito embora muitas das perspectivas concretas criadas tenham sido e continuem a ser hoje combatidas pelas práticas políticas de direita dos mentores do “fim da história”. A luta duríssima que levou ao 25 de Abril e a luta, igualmente muito dura, que hoje se trava contra o neoliberalismo dominante e dominador, sendo certamente feita pela vontade e acção colectiva de quem nela se envolve não deixa de ter as suas figuras maiores, os seus protagonistas excepcionais.

2. O General Vasco Gonçalves, 1º Ministro dos 2º, 3º, 4º e 5º Governos Provisórios, foi um militar rigoroso e competente e foi um muito lúcido dirigente do Movimento das Forças Armadas. Presidiu a Governos que tiveram que enfrentar os mais graves problemas nacionais. Imprimiu aos seus Governos uma orientação que sempre apontou como caminhos essenciais a consolidação da democracia política conquistada, o desenvolvimento económico, a justiça social e a Paz. Os esforços desenvolvidos pelos Governos Provisórios foram essenciais e se não tiveram continuidade plena com os Governos Constitucionais que se seguiram foi porque as opções das direcções políticas do PS, do PSD, e do PP se afastaram da ideia de aprofundamento da democracia. Vasco Gonçalves, engenheiro militar, democrata convicto, lutador pela justiça social, foi um 1º Ministro de Portugal que ficará na História pela sua capacidade e generosidade. O correr do tempo apagará certamente da História esses governantes dos dias de hoje que não quiseram incorporar-se no seu funeral.

3. Álvaro Cunhal, militante do PCP desde 1930, Secretário Geral a partir de 61 até 92, foi uma das figuras mais marcantes do Portugal no século XX. Muito se pode dizer sobre ele e sobre a sua enorme dimensão política, ética, humana e intelectual. Mas o que, a meu ver, melhor retrata a sua vida e obra, é o facto do cidadão comum associar instintivamente a sua figura à luta pelos interesses de quem trabalha e de que é desfavorecido. O actual programa do PCP intitulado “Uma Democracia Avançada no Limiar do Século XXI” aprovado nos finais dos anos 80, e não deixando de ser produto de um vasto trabalho colectivo, tem a marca clara da capacidade teórica e estratégica de Álvaro Cunhal. Nesse Programa são definidos caminhos de luta e objectivos que assentam no conceito de aprofundamento da democracia nos planos político, económico, social e cultural. A permanente luta de Álvaro Cunhal pela democracia, sustentada nas condições mais difíceis durante as dezenas de anos da ditadura, criou uma clara base de associação plena entre os valores da democracia política pela qual se lutou e os valores essenciais da justiça social que é o pilar da sociedade mais justa que se quer construir. A vida e a obra de Álvaro Cunhal foram sempre essenciais por aquilo que impulsionaram, mas o seu exemplo e o seu contributo vão perdurar numa luta que, sendo embora muito difícil, vai continuar porque é essencial à dignificação da vida humana.

José Decq Mota– em “Palavras com Sentido” na Revista "Factos"