As acções violentas perpetradas contra vidas humanas inocentes terão sempre a minha desaprovação até, e se outros motivos não houvesse, porque considero que este tipo de estratégia não serve os interesses da luta dos povos contra a ocupação do seu território, seja essa ocupação militar ou, sob a forma de domínio económico, político ou cultural. As vítimas civis no Iraque ocupado pela aliança anglo-americana ultrapassaram há muito a centena de milhar, sendo que cerca de 90% das mortes resultam dos chamados “danos colaterais” provocados por acções dos exércitos ocupantes e os restantes pela luta de libertação da resistência iraquiana. Resistência que se sustenta num vasto e organizado movimento apoiado pela população e que, contrariamente à redutora ideia difundida pela comunicação social, não se limita apenas a Mussab al-Zarqawi e aos seus fanáticos seguidores.
A utilização de armas proibidas, bombas de fragmentação, urânio empobrecido, a eliminação “cirúrgica” de académicos e cientistas iraquianos que se recusaram a trabalhar para os ocupantes, a destruição da cidade de Faluja onde o terror foi levado ao extremo com os “snipers” do exército estado-unidense a abateram os profissionais de saúde que se encontravam dentro do hospital da cidade a cuidar dos feridos. As vidas humanas devem ter o mesmo valor em Londres, na estância de Sharm el-Sheikh, em Bagdad, Faluja ou Lisboa, isto é, não têm preço. As acções de terror perpetradas por grupos extremistas devem ser avaliadas e adjectivadas de igual modo, independentemente de onde se buscam a justificação para essas acções, se na Bíblia ou no Corão, ou, ainda, em auto proclamados e extremistas arautos de uma qualquer verdade. Chamem-se eles: George Bush, Tony Blair, Ben-Laden, Mussab al-Zarqawi...
Os “danos colaterais” da guerra e da ocupação do Iraque estão a globalizar-se, aliás como era esperado. Durante o período colonial, mesmo depois de se terem iniciado lutas pela independência, as metrópoles europeias viveram calmamente e à distância os conflitos e atrocidades que ocorreram nos “impérios coloniais”. A época que vivemos, pelo contrário, globalizou os efeitos dos conflitos e atinge, não só as populações ocupadas, que não pediram a intervenção de ninguém, mas também a população dos estados que apoiam ou protagonizam a política das guerras “preventivas” e que nas ruas diz, massivamente - Não à guerra. Hoje é perfeitamente claro, mesmo para os indefectíveis apoiantes da altura, que a intervenção no Iraque, para além de ser ilegítima face ao Direito Internacional e à Carta das Nações Unidas, foi um enorme e clamoroso erro.
As motivações da intervenção são por demais conhecidas e não vale a pena, mesmo a alma não sendo pequena, estar a repeti-los, por outro lado, e se nada for modificado, os efeitos, tragicamente, conhecidos da intervenção e ocupação do Iraque só podem vir a piorar, quer na região do conflito, quer com a acentuar da globalização dos “danos colaterais” tomem eles a forma de atentados por bombistas suicidas, a adopção de medidas securitárias pelos estados ocidentais, com a consequente limitação às liberdades individuais, ou de execuções extra judiciais como a que ocorreu na estação de metro de Sockwell, onde o cidadão brasileiro Jean-Charles de Menezes, depois de estar dominado, foi morto com vários tiros na cabeça.
Aníbal C. Pires em “Politica” No Açoriano Oriental em 29/07/05