Na interpelação do PCP ao Governo Regional, o Deputado Aníbal Pires denunciou os abusos a que estão sujeitos os trabalhadores desempregados em programas ocupacionais, que são utilizados para substituir necessidades de trabalho permanente, às quais devia corresponder um posto de trabalho efectivo, sujeitos a trabalho por turnos sem compensação, auferindo remunerações abaixo do salário mínimo.
"Quádrupla desgraça, como sabem bem os chamados “beneficiários” dos programas FIOS, PROSA ou RECUPERAR: prestam serviço mas não têm emprego, têm deveres mas não direitos, produzem mas não recebem salário, apenas subsídio; trabalham mas não são trabalhadores! É este o “benefício” generosamente atribuído pelo Governo Regional!", afirmou Aníbal Pires.
Para o PCP, esta política de emprego pretende apenas, disfarçar o desemprego, transformar subrepticiamente a natureza do emprego público, destruindo-lhe as características e condições e criar uma camada de trabalhadores pouco qualificados, que vão sobrevivendo no ciclo, quase sempre sem saída, de programa de estágio, contrato precário, subsídio de desemprego, programa ocupacional, subsídio de desemprego, até à idade da reforma.
INTERVENÇÃO DO DEPUTADO ANÍBAL PIRES
NA ABERTURA DA INTERPELAÇÃO AO GOVERNO
SOBRE PRECARIEDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS DE EMPREGO
15 de Março de 2016
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Os Açores são hoje das regiões do país com maiores índices de precariedade laboral. Apenas para dar um exemplo esclarecedor, no nosso arquipélago 90% dos novos contratos de trabalho não são permanentes. Apenas um em cada dez trabalhadores consegue alguma estabilidade no seu vínculo laboral na nossa Região.
Não é por acaso, nem por acidente. Se uma grande parte desta situação decorre das décadas de regressão dos direitos laborais e de flexibilização da legislação laboral, sempre contra o trabalhador, promovida pelos sucessivos governos do PS e do PSD, com coligações pontuais do CDS e, claro está, do resultado desastroso das suas políticas económicas que criaram um desemprego massivo, nunca antes atingido na história de Portugal, a verdade é que a própria Região, o próprio Governo Regional, a promover activamente a precariedade dos trabalhadores, a degradação das suas condições laborais e, mais recentemente, a instituir um sistema de reprodução e eternização de vínculos precários, nunca antes visto.
Pode o Governo Regional vir afirmar com orgulho: “Estamos na vanguarda!”, que nós responderemos: “Estamos sim!, pois os açorianos têm o duvidoso privilégio de sofrerem dos mais modernos e sofisticados sistemas e regimes de exploração do trabalho alheio, com a chancela do PS Açores!”
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Esta continuada promoção da precariedade laboral, no sector público e privado, por parte do Governo Regional é inegável e tem-se processado de múltiplos modos e formas e passa muitas vezes por programas cujos objectivos parecem úteis e meritórios, mas que na prática, são sistematicamente subvertidos em prejuízo dos trabalhadores.
A sua enumeração seria longa, mas podemos agrupar estas dezenas de programas em quatro grandes categorias: programas de criação do próprio emprego, de subsídio à contratação, de estágios e de programas ocupacionais, que partilham vários vícios fundamentais que os subvertem, legalizando situações abusivas, por vezes desumanas e sempre, sempre lesivas para o trabalhador.
O primeiro desses vícios fundamentais é a grande margem de arbitrariedade na apreciação dos projectos, que permite fechar a porta a uns e abrir a porta a outros com explicações subjectivas e que tem permitido efectivamente que se continue a utilizar mão de obra rotativa e descartável paga com fundos públicos, quer no sector público, quer privado.
Outro dos problemas de fundo é a falta de conteúdos formativos, de formação profissional real, que vá para lá do mero “trabalha que aprendes!” e que permita efectivamente melhorar a empregabilidade e o sucesso profissional destes cidadãos. Isto é especialmente gritante nos programas de estágios, ESTAGIAR L e ESTAGIAR T, mas também nos programas ocupacionais, como o RECUPERAR, o FIOS ou o PROSA. A maior parte dos “beneficiários” terminam estes programas sem terem tido uma única hora de autêntica formação profissional certificada, apesar das boas intenções dos preâmbulos dos regulamentos.
Na prática estes programas promovem o trabalho precário e instável, desde logo por via da sua duração limitada, mas também financiando a precariedade. Que sentido faz subsidiar uma empresa privada para que contrate um trabalhador apenas durante um ano, como sucede no programa INTEGRA ou no PIIE “Programa de Incentivo à Inserção do Estagiar L e T por exemplo?
Estes programas contribuem para situações de uma inaceitável exploração dos trabalhadores desempregados, que em muitos casos não podem recusar as funções que lhes são atribuídas, tenham ou não formação, vocação ou capacidade, sob pena de perderem o subsídio de desemprego de que dependem para sobreviver; que são sujeitos a remunerações miseráveis, abaixo do salário mínimo depois dos descontos obrigatórios, tendo de fazer face a custos de transporte e alimentação; que são forçados a trabalho por turnos ou horários irregulares, impedindo qualquer conciliação com a vida familiar ou assistência à família.
Quádrupla desgraça, como sabem bem os chamados “beneficiários” dos programas FIOS, PROSA ou RECUPERAR: prestam serviço mas não têm emprego, têm deveres mas não direitos, produzem mas não recebem salário, apenas subsídio; trabalham mas não são trabalhadores! É este o “benefício” generosamente atribuído pelo Governo Regional!
E isto é apenas o que é legal, ou que está formalmente legalizado pelos regulamentos do Governo Regional. Porque para lá do regulamentado, os abusos são muitos, graves e acontecem mesmo na Administração Pública. Um exemplo é o caso lamentável, que veio recentemente a público, do centro de resíduos da Câmara da Horta, onde os trabalhadores de programas ocupacionais trabalham na lixeira e na separação de lixo sem terem o indispensável equipamento de protecção e segurança.
Mas o abuso mais comum, que parece ser sistemático, em particular em relação aos programas ocupacionais, é o desempenho de funções essenciais e indispensáveis para os serviços pelos beneficiários, que assim são utilizados para substituir necessidades de trabalho permanente, às quais devia corresponder um posto de trabalho efectivo.
Denunciámos publicamente uma situação que o demonstra claramente, no Hospital de Ponta Delgada, em que 29 Assistentes Operacionais que foram selecionados por concurso acabaram por nunca ser contratados, porque o Hospital resolveu as suas necessidades de pessoal integrando 49 trabalhadores desempregados através do programa Recuperar.
Perante todos estes abusos e grosseiras violações da Lei, a Direcção Regional do Emprego, a quem competia garantir o cumprimento dos regulamentos, dedica-se a explicar aos empregadores públicos como os subverter e quanto à Inspecção Regional do Trabalho, a quem competia fiscalizar, a resposta tem sido sempre e só o silêncio e a vista grossa. É urgente acabar com esta exploração selvagem e com este abuso sistemático dos trabalhadores desempregados.
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
A política de emprego nos Açores, que se concretiza nestas dezenas de programas, serve, na realidade, três objectivos e infelizmente nenhum deles é efectivamente a criação de emprego estável, de qualidade, com direitos e perspectiva de valorização pessoal e profissional para os trabalhadores.
O primeiro objectivo, inegável, é o de disfarçar a dimensão avassaladora do desemprego na nossa Região.
O segundo é o de transformar subrepticiamente a natureza do emprego público, destruindo-lhe as características e condições, anulando os direitos e a estabilidade dos vínculos dos seus trabalhadores, substituindo-os paulatinamente, passo a passo mas de forma deliberada, por outros trabalhadores com regimes laborais mais flexíveis, leia-se precários e descartáveis.
O terceiro objectivo desta política de emprego, não é menos importante. Trata-se também de sustentar as empresas privadas, fornecendo-lhes mão-de-obra gratuita ou subsídios para a contratação e contribuir para o aumento da precariedade também no sector privado, através da criação de uma camada de trabalhadores pouco qualificados, que vão sobrevivendo no ciclo, quase sempre sem saída, de programa de estágio, contrato precário, subsídio de desemprego, programa ocupacional, subsídio de desemprego, ad aeternum, até à idade da reforma!
São estes os verdadeiros objectivos da política de emprego do Governo Regional!
Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores Deputados,
Senhor Presidente do Governo Regional,
Senhora e Senhores Membros do Governo,
Sabemos que a questão da precariedade e do desemprego são na realidade inseparáveis e que constituem um problema vasto e complexo. Mas a sociedade que queremos construir tem de passar forçosamente pelo respeito e pela valorização de quem trabalha.
A solução passa forçosamente por contratar, efectivamente e sem termo, os trabalhadores que são indispensáveis para o funcionamento dos serviços, dar-lhes os mesmos direitos e remunerações que os seus colegas e acabar com a rotação de beneficiários de programas de emprego na Administração Pública.
A solução passa forçosamente por aumentar as qualificações dos açorianos desempregados, por melhorar as suas possibilidades de conseguir um emprego através da formação profissional, de qualidade, certificada. Os estágios e os programas de formação têm de ter conteúdos pedagógicos na realidade e não apenas no papel do seu projecto de candidatura. Esta é uma questão central e pensamos que muitos dos programas existentes devem ser alterados para incluir esta exigência.
Estamos convictos também que é necessário uma fiscalização muito mais actuante e presente, em especial da Inspeção Regional do Trabalho. É que, ao contrário do que diz a Senhora Inspectora Regional, precisamos que a IRT vá muito para além da “promoção de uma cultura de cumprimento da legislação laboral”. Precisamos que a IRT faça efectivamente cumprir a legislação laboral, que actue e que puna, com severidade, os prevaricadores!
Mas precisamos também de parar com a subsidiação do trabalho precário e da rotação de trabalhadores, apoiar as empresas que tenham boas práticas de integração sem termo de estagiários e que não pratiquem a rotação de mão-de-obra.
Precisamos de um Governo que efectivamente pratique e estimule a negociação e a contratação colectiva, instrumento insubstituível de defesa dos direitos dos trabalhadores.
É necessário que os programas de estímulo às empresas tenham uma exigência de responsabilidade social e de boas práticas no que diz respeito aos trabalhadores e iremos apresentar brevemente uma iniciativa parlamentar nesse sentido.
Sabemos que a solução dos problemas da precariedade e do desemprego é muito mais vasta e passa também por uma profunda mudança nas políticas económicas e sociais, mas sabemos que esta pouca-vergonha de exploração dos trabalhadores pobres, fragilizados pelo desemprego ou pela sua ameaça, não pode continuar!
Disse.
Horta, 15 de Março de 2016
O Deputado do PCP Açores
Aníbal Pires