Nos Açores estamos habituados a ouvir, de parte de quem nos governa, declarações de intenções e leituras da realidade que muito pouco têm a ver com aquilo que as pessoas experimentam no seu dia a dia, mas a distância entre as palavras e a realidade, nestes dois anos de governação da coligação PSD, CDS e PPM, com o suporte parlamentar de IL e Chega, tornou-se enorme, e aumenta de dia para dia.
Os muitos discursos celebrativos da candidatura de Ponta Delgada a Capital Europeia da Cultura contrasta de forma estridente com o desprezo a que este governo tem votado o inteiro setor da cultura. Os exemplos são muitos, e seria certamente injusto classificá-los por ordem de gravidade, considerado que cada um deles afeta negativamente não apenas os agentes culturais diretamente envolvidos e as suas famílias, mas todas as comunidades às quais a sua ação está dirigida, tornando a vida coletiva da Região mais triste e a sua pobreza mais pobre.
Contudo, não se pode deixar de assinalar com especial indignação a incúria, a indiferença e a irresponsabilidade que o governo demonstra em relação ao Teatro Micaelense, ex-libris de Ponta Delgada, casa de memórias e de identidade, na senda de um desinvestimento que nos últimos anos nunca parou de se acentuar. Depois da intervenção de 2004, graças à qual foi recuperado para bem da cidade e da Região um edifício valioso, com inúmeras possibilidades de utilização, iniciou-se, passados poucos anos desse grande investimento, um percurso de progressivo esquecimento daquele que deveria e poderia um dos principais lugares de agregação social da ilha, bem como um dos seus cartões de visita. A própria manutenção foi descurada, estando hoje partes do edifício novamente necessitadas de obras. O aspeto impecável do teatro, nas partes acessíveis ao público, apenas se deve ao esforço e à dedicação dos trabalhadores, que também têm mantido uma postura de enorme profissionalismo para com o público, os artistas e os utentes em geral do Teatro Micaelense (que também funciona como centro de congressos e unidade educativa), não deixando transparecer, durante anos seguidos, a frustração e o cansaço que vinham acumulando. Depois de longas e infrutíferas tentativas de chamar à razão a tutela, vieram agora publicamente exigir o que lhes é devido (e é devido, de alguma forma, a todos nós).
Os trabalhadores do Teatro Micaelense enfrentam uma realidade insustentável: a verba prevista para 2023, de 650 mil Euros, nem chega sequer para assegurar a gestão corrente do teatro, se nela incluirmos a parca massa salarial dos seus vinte funcionários, tanto menos para organizar e gerir a oferta cultural que constitui a sua missão.
O tratamento salarial destes funcionários, alguns dos quais ali trabalham desde o período anterior à reabilitação do edifício, e mesmo daqueles que desempenham tarefas altamente especializadas e exigentes, em horários fortemente penalizadores das suas vidas pessoais, não nos pode deixar indiferentes. Não só têm salários extremamente baixos, mas não lhes é reconhecida nenhuma progressão na carreira, faltando um acordo de empresa que salvaguarde os direitos dos trabalhadores nos seus diversos aspetos. Estando enquadrados no sector publico empresarial regional (SPER), não são considerados funcionários públicos em termos de retribuição: no entanto, sofreram todos os cortes aplicados à função pública.
Os trabalhadores do Teatro Micaelense estão em luta, como tantos outros trabalhadores na Região: não estão a pedir nada de extraordinário, mas apenas um tratamento justo, e uma retribuição que lhes permita viver com dignidade. E, para além disto, lutam para um bem maior que a todos nos diz respeito: o direito dos habitantes de São Miguel a usufruir de uma cultura de qualidade. Merecem o apoio caloroso e concreto da população no seu todo. O PCP, que tem entre as suas propostas estruturantes o investimento na Cultura de 1% dos orçamentos públicos (tanto nacionais como regionais), vem reafirmar-lhes a sua solidariedade, e apela aos cidadãos de Ponta Delgada e de São Miguel para que também se manifestem, e não permitam que a miopia e a insensibilidade dos sucessivos governos destruam o Teatro Micaelense, um bem que a todos nós pertence, e que deve ser acarinhado e estimado, para que as próximas gerações também usufruam das horas extraordinárias que tantos de nós passaram, e querem continuar a passar, naquele espaço emblemático.
Organização do PCP de São Miguel