Camaradas, permitam-me que comece por saudar todos os presentes e, através de vós, os camaradas de todas as ilhas! Saúdo também as nossas visitas menos habituais, os Camaradas Jerónimo, Alma e Herlanda. A sua presença demonstra que a luta dos comunistas açorianos não está isolada do todo nacional. Partilhamos os mesmos objetivos: a luta pela liberdade, pela libertação do Homem, pelo fim da exploração capitalista, pelo desenvolvimento económico e social, num quadro de respeito por esta natureza que nos permite viver.
Sem Educação, não haverá futuro!
Esta ideia tornou-se um chavão, nas campanhas eleitorais ou fora delas. Juras de amor eterno que esquecem a origem dos problemas – as desigualdades sociais e o desinvestimento financeiro na escola pública.
O insucesso e o abandono escolar foram marcas deixadas por todos os governos regionais até à data. Numa escola construída para formatar, e não para a criatividade, a formação integral do indivíduo foi ignorada olimpicamente.
A influência negativa da pobreza nos percursos académicos está cientificamente demonstrada. Inclusivamente tem efeitos nas capacidades cognitivas, como resultado de alimentação pobre e irregular, ou de pais com empregos precários e horários desregulados, com menos tempo e condições para brincar com os filhos e acompanhar por inteiro o seu desenvolvimento e a vida escolar.
O chamado elevador social é, assim, uma miragem. O que se observa é a reprodução social: pais pobres tendem a ter filhos pobres. E, à escola pública, faltam os meios para combater este cenário. Inclusive, as opções políticas são dirigidas para o esconder e até para o seu agravamento. Esta realidade não tem sido alterada por este governo regional de direita e extrema direita. Muito pelo contrário, tem trabalhado empenhadamente para o ampliar.
Desengane-se quem ache que tudo isto é fruto do acaso. É, na verdade, uma peça fundamental para a manutenção de um modelo económico e social dirigido à rápida concentração de lucros, através do aprofundamento da exploração e da acumulação de mais-valias. E, já agora, contribui também para a manutenção das fragilidades sociais, utilizadas para perpetuar o poder político…
Trabalhadores com piores habilitações e qualificações estão mais vulneráveis; são mais facilmente forçados a aceitar qualquer trabalho para sobreviver. Horários ilegais, salário mínimo, horas extraordinárias não pagas, precariedade, más condições de trabalho, tudo vale para reduzir os custos e aumentar o tempo de trabalho. Quem beneficia desta realidade são os grandes grupos económicos e as grandes empresas que operam na região. Vejam-se as opções dos grandes empresários, donos de cadeias hoteleiras, de fábricas de laticínios, do setor dos combustíveis e elétrico!
É este modelo económico que temos. Que conta com a participação ativa dos governos regionais, sejam do PS, sejam desta coligação de direita e de extrema direita. Apesar dos discursos inflamados que tantas vezes se ouvem, criticando o acessório e não mexendo no essencial – a acumulação de lucros.
Também não é por acaso que estes grandes empresários são os mesmos que têm beneficiado da grande fatia dos apoios públicos, que deveriam ser dirigidos às micro, pequenas e médias empresas. Muito menos é por acaso que estes grandes empresários são os mesmos que estão envolvidos nas vergonhosas polémicas das agendas desmobilizadoras.
A política que privilegia esta meia dúzia, que vive à custa do trabalho alheio e de volumosos apoios públicos, é a mesma que atrasa o desenvolvimento económico e social da região. O século XXI traz desafios novos que só poderão ser ultrapassados com níveis de escolaridade e de qualificação mais elevados. A aposta na escola pública e na formação pessoal, científica, social e cultural, será o meio para atingir estes objetivos.
Podem alguns dizer-me que isto pouco ou nada tem a ver com a Educação ou com a Escola. Mas tem. É que, como disse um poeta, “isto anda tudo ligado”. A nossa realidade social, a escola que temos, a economia que foi construída, não resulta de um qualquer fatalismo. Resulta de opções concretas e bem definidas, resulta de interesses de classe, para garantir a obscena acumulação de mais-valia.
Abordadas as causas políticas, sociais e económicas da educação que temos, regresso à escola.
É um facto sobejamente conhecido que o insucesso e o abandono escolar regionais são dos mais elevados do país. Mas a realidade é tudo menos uniforme. Na mesma ilha, no mesmo concelho ou, até, na mesma freguesia, observamos situações muito díspares. O elo comum ao insucesso é a pobreza e o meio socioeconómicos dos alunos. Sendo certo que não seria rigoroso falar em fatalismos, pois há casos de insucesso escolar quando a expectativa seria o sucesso, e de sucesso, quando à partida tudo faria prever maus resultados ou o abandono escolar.
Às condicionantes do meio social juntam-se o desfasamento e insuficiência das respostas que a escola consegue dar. Salientaria aqui três aspetos. Currículos desligados dos alunos, ação social escolar ineficaz e falta de acompanhamento pedagógico específico.
Os currículos e as formas de trabalhar na escola estão ainda muito influenciadas por uma educação dirigida à transmissão de conhecimentos, como se os alunos fossem recipientes vazios. Ignora-se que cada aluno é um indivíduo, com caraterísticas e interesses próprios, que, inclusivamente, desenvolveu de forma específica os seus próprios conhecimentos, na sua relação com o meio que o rodeia.
Aos professores, não se lhes dão as condições para inverter esta lógica imposta superiormente. Mas os responsáveis políticos foram-lhes colocando o peso de terem de dar respostas, sem os meios. Será como exigir ao cozinheiro que faça omeletes sem ovos. Ao professor, diz-se: diversifica, diferencia, faz avaliação contínua. Mas ignora-se que esse mesmo professor tem 8, 9 ou 10 turmas, 150 ou 200 alunos, leciona 3, 4 ou 5 disciplinas diferentes e ainda terá de desempenhar outras funções, como diretor de turma. Ou que nunca sabe em que escola trabalhará para o ano. Pergunto eu: como é que se diversifica, sozinho numa turma com 20 alunos? Muito fazem os professores, considerando os meios que têm à sua disposição!
A ação social seria essencial para combater os efeitos da pobreza e das desigualdades sociais. Na verdade, a ação social escolar cumpre minimamente o seu papel. Por exemplo, fornecendo o equipamento para as atividades escolares e possibilitando uma refeição completa. Mas seria preciso muito mais, aliás, recordo que a representação parlamentar do PCP/Açores foi fazendo propostas para lhe dar eficácia nos seus objetivos, em particular para ultrapassar os obstáculos socioeconómicos que os alunos têm de enfrentar. Recordo que continuam a haver crianças que apenas têm garantida uma refeição completa por dia, a da cantina escolar. Ou seja, a ação social precisava de estar aliada a respostas sociais para resolver a raiz do problema.
A orientação e ajuda personalizadas aos alunos, na sala de aula e fora dela, são miragens. Como se espera apoio específico, quando um docente tem à sua frente 20 alunos, cada um com as suas necessidades próprias? Quando ainda lhe é exigido o cumprimento de um currículo, uma planificação, pensada para um aluno médio que não existe? Os avanços, no plano legislativo, não foram acompanhados dos meios necessários. Desde logo, docentes. Ou seja, atribuem-se as responsabilidades, mas sem os investimentos correspondentes.
O que resulta destas decisões políticas que tracei? Uma escola reprodutora das desigualdades sociais. Os percursos escolares regulares são predominantemente destinados aos alunos de meios socioeconómicos mais elevados, ou de famílias que têm condições para enfrentar as dificuldades. Por seu lado, alunos de meios desfavorecidos são tendencialmente encaminhados para os cursos profissionais e para currículos alternativos, frequentemente construídos para mascarar o insucesso.
A escola devia formar cidadãos pensantes, conscientes, críticos e interventivos. Mas, pelo contrário, formata e condiciona. Isto é particularmente verdade nos cursos profissionais, nos quais os alunos são formatados para uma profissão e para a realidade atual, sem se perspetivar o futuro nem os ensinar a adaptarem-se às futuras e inevitáveis transformações nas relações sociais e de produção.
Como não podia deixar de ser, esta realidade complexa que tracei tem também expressão nas relações de trabalho que se vivem nas escolas. Os auxiliares de ação educativa foram substituídos por cidadãos de programas ocupacionais. O envelhecimento e a dureza da vida dificulta-lhes o trabalho. Os baixos salários não fazem justiça à importância das suas funções, nem ao seu empenho. Os docentes viram as suas carreiras desvalorizadas, os seus horários de trabalho prolongados com exigências que nada têm que ver com a sala de aula, a incerteza da escola do próximo ano. Mas, ironia ou sarcasmo, ouvem juras de amor à escola, à educação e aos seus profissionais, por parte dos mesmos políticos que desvalorizaram a escola pública.
Nada disto são fatalismos. Muito pelo contrário. Mas, para transformar esta realidade, teremos de compreender as causas daquela que temos. O que os comunistas açorianos propõe é colocar a escola ao serviço do desenvolvimento do indivíduo e da sociedade, de uma mais justa distribuição da riqueza. E isso não se conseguirá sem alterar a matriz económica e social que a moldou.